Pericias > Introdução a pericias

Chegou a altura de falar sobre as perícias físicas e psicológicas. Fica uma pequena introdução para já, com a promessa de que, até ao fim da semana, publicarei elementos sobre as Perícias Físicas e sobre a forma como os "peritos" intervieram no Processo Casa Pia. A chamadas "perícias" foram consideradas com certeza pelo Tribunal, ao redigir o Acórdão. Duvido que tenham levado em consideração a forma como foram feitas: em que altura do processo, por quem, com que metodologia, com que prazos, em que condições. Duvido que o Tribunal tenha tido uma visão crítica sobre o assunto. Aliás duvido da sua capacidade para o fazerem.

As perícias PODEM, de facto ser um elemento muito importante na produção da prova. Mas para que isso aconteça, exige-se, do julgador, pelo menos, algum conhecimento científico para que possam fazer uma análise crítica.

A História julgará este Processo, não tenhamos dúvidas. E o capítulo PERÍCIAS, quando julgado, não poderá deixar de ser reconhecido como um dos piores do trabalho da Justiça e do IML portugueses.

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O tema PERÍCIAS é dos mais curiosamente perversos deste processo. Perverso porque, pela lei, o Instituto de Medicina Legal tem o monopólio para as fazer, sem a presença, no mínimo, de observadores da Defesa.

Perverso porque, a ocupação de um cargo, não é garantia de competência. Basta olhar para o país em que vivemos. E isso, seria razão bastante para que fosse admissível, se assim o desejasse, a Defesa estar presente durante a realização dos exames.Mas o Código do Processo Penal não o permite.

Perverso ainda porque qualquer pessoa, por muito básica que seja, terá percebido que Portugal está (pelo menos estava na época do julgamento), como em outros sectores, atrasadíssimo no campo da medicina e da psicologia forenses. Na psicologia, então, é um desastre. Foi com estupefacção que concluímos haver completa ignorância dos nossos peritos sobre a aplicação de critérios de avaliação da credibilidade e hipótese de veracidade do discurso de uma testemunha/vítima em casos de alegados abusos sexuais.

Eu próprio me senti mais bem informado.

Porque mandei vir livros, estudei e detectei a ausência de aplicação dos critérios hoje usados em casos idênticos, nos tribunais de muitos países europeus, nos Estados Unidos e no Canadá. Mesmo aqui ao lado, em Espanha, a utilização desses critérios é obrigatória e serve como produção de prova.

Os juízes que me julgaram, nunca tinham ouvido falar de tal assunto. E quando o Dr. Ricardo Sá Fernandes, durante os interrogatórios que fez aos peritos, os confrontou com esses critérios, foi lamentável assistir à ignorância ou não utilização dos mesmos,  componentes tão importantes em julgamentos desta índole.

Mas, pior do que o não conhecimento ou não utilização desses instrumentos de análise, foram as condições em que as perícias foram realizadas, já que, tecnicamente, foram mal realizadas, documentação essencial foi negada, um trabalho contra-relógio foi imposto a uma psicóloga sem qualquer tipo de experiência, que viu os seus pedidos de ajuda e de documentação negados. pela hierarquia e pelo Ministério Público.

Os exames de natureza física foram criticados por pessoas de idoneidade indiscutível, dentro do próprio IML  (prof. Pinto da Costa) e fora dele (prof. Santos Costa). Apesar de assim ter sido, admitimos (eu e os meus advogados) que algumas das vítimas foram abusadas ou tiveram relações sexuais que deixaram marcas físicas.

Só que, pela sua natureza e descrição (só o senhor perito é que viu, sem contraditório e mesmo sem ajudante, sozinho com a vítima) esses sinais não são prova das datas da Acusação e muito menos podem apontar para o nome do abusador. Pelo contrário.

Uma leitura, hoje mais distanciada, aponta para que os peritos tenham agido como os investigadores: para eles era tudo verdade e bastava assinar por baixo.

Tal como os investigadores,  desprezaram a legis artis, os manuais, as recomendações, os procedimentos incontornáveis.  Também eles sentiram a pressão da opinião pública, a histeria e o pânico moral que se instalou no país.

Os peritos não tiveram coragem de servir a Verdade. E estão protegidos pelo monopólio do IML.

Podem fazer e dizer o que quiserem sem o risco de contraditório durante a realização dos exames. São por isso, como os juízes, irresponsáveis.

Pior: eles fazem as coisas "escondidos" e sozinhos nos seus gabinetes. Os juízes ainda podem ser vistos a actuar. E claro, também houve promoções a seguir... Coincidência?!

O que aqui publico será dividido em dois capítulos: Perícias Físicas e Perícias Psicológicas. Tentarei ser o mais esclarecedor possível, ajudando os leitores a caminhar pelo terreno aparentemente simples mas todo ele minado.

A minha defesa não se deixou levar. Informou-se, estudou, percebeu e chegou mesmo a explicar ao Tribunal e aos especialistas. Desmontou um falso edifício, peça a peça, e que se desmoronou completamente.

O Tribunal valorizou as perícias? Percebeu-as? Porque, se as percebeu, então o caso é muito mais GRAVE!