Pericias > Pericias Psicologicas 2 - Procedimentos

Embora estejamos a tratar agora das Perícias Psicológicas, resolvi incluir, nesta sequência, transcrições das declarações de todos os Inspectores da PJ que participaram no Processo.

Parece deslocado mas não o é, por uma razão: como o leitor terá ocasião de ver, as Perícias Psicológicas foram feitas contra todas as regras exigíveis pela Ciência que se preocupa com a descoberta da Verdade. Ora, as inquirições das vítimas ou alegadas vítimas (os assistentes) também tem que obedecer a regras. Mais: foi afirmado que na PJ existem manuais com essas regras. E nenhuma delas foi seguida. Este o grande ponto comum entre os procedimentos da PJ e os da perita. Desde o início, as medidas recomendadas em todo o mundo civilizado foram sobranceiramente ignoradas. Por isso aqui publico estes elementos: a mentalidade que presidiu a este Processo é a mesma, na PJ e no Instituto de Medicina Legal.

Mas o Tribunal, que integra um Juiz que foi da PJ e colega da Inspectora Coordenadora Rosa Mota, diz no Acórdão que:

"analisou os depoimento dos inspectores da Polícia Judiciária com objectivo de despistar e isolar indícios da possibilidade ou da eventualidade de contribuição dos Inspectores da Polícia Judiciária, com os actos e diligências que efectuaram na fase de Inquérito, para a criação de uma "história" vertida na Acusação e posteriormente no Despacho de Pronúncia.

Analisada a actuação de 5 dos Inspectores da Polícia Judiciária, o tribunal não encontrou indícios, que sustentem uma preparação, condução ou de qualquer forma conjugação por parte da Policia Judiciária, dos depoimentos que vieram a ser prestados em audiência de julgamento pelos jovens identificados como vítimas.

A análise feita por este tribunal baseia-se na análise dos depoimentos de 5 inspectores. Nenhum destes inspectores ocupava um cargo de chefia, sendo por conseguinte meros executantes ou operacionais sem qualquer tipo de liberdade de análise crítica do que estava a acontecer."

 

Vejamos então os depoimentos da equipa da PJ e os seus procedimentos:

 

Cristina (Maria Pinto) Correia


Advogada -Sr.ª Inspectora, nos 20 anos que trabalha nos abusos sexuais, a investigação feita foi sempre desta forma ou tinha alguma autonomia relativamente às diligências que entendia que devia fazer depois de ouvir uma ou duas testemunhas, enfim, de fazer as diligências de recolha de prova que entendesse?

Cristina Correia-Para si e para o tribunal isto pode parecer irrelevante, mas para mim é a pura verdade, eu nos 20 anos de casa, de Polícia Judiciária, tive sempre muita sorte, eu chamo-lhe sorte, porque tive a possibilidade de trabalhar com uma grande autonomia pelos chefes que tive sempre distribuídos, não é, ou que me calharam ou a quem eu calhei, mas sei que alguns dos meus outros colegas, de outras brigadas, de outras secções, com outros chefes, com outros coordenadores não tiveram a minha sorte, e portanto, há um método de trabalho que para alguns chefes é assim que funciona, pronto, eles distribuem as tarefas, distribuem quem faz o quê, e as pessoas fazem isso mesmo. Comigo nunca se tinha passado.

Advogada -Até este processo?

Cristina Correia-Sim.

 

***

O Tribunal também não valorou na sua análise, entre outros, o depoimento do elemento mais experiente da equipa de profissionais da Policia Judiciária - a inspectora Cristina Correia que viria a revelar importantes considerações sobre como decorreram os interrogatórios na Policia Judiciária. O Tribunal fixou-se apenas nos depoimentos daqueles agentes que menos descreveram a investigação escondendo-se atrás de respostas "não me lembro" ou "não me recordo".

(Nota: curiosamente, a Inspectora Cristina Correia, alegando razões de ordem pessoal, abandonou a brigada antes do Inquérito chegar a meio)

Tampouco ouviu os magistrados do Ministério Publico que desde cedo dirigiram esta investigação.

Mais importante é que, na sua análise, não se refere aos procedimentos (ou à falta deles) no que toca à inquirição dos assistentes. Também não refere como está organizada e como operou a brigada da Policia Judiciaria.

Mas ainda considerou como normais e coerentes as recorrentes falhas de memória que varreram a equipa que investigou o mais mediático processo que Portugal alguma vez conheceu e por ventura conhecerá.

Em relação aos procedimentos que seguiram ou deveriam ter seguido ficam os relatos dos intervenientes, na primeira pessoa, para que o leitor possa, por si só, realizar a sua análise e avaliação.

 

Não deixe de comparar o que diz Dias André com o depoimento de Rosa Mota:


Rosa (Maria) Mota (Teixeira Mendes)  


Advogado- - Na Polícia de Judiciária há um manual de procedimentos para ...  

Rosa Mota - Não Sr. Doutor, existe um manual de procedimentos, um guia de procedimentos genéricos relativamente a situações de abuso sexual de menores, no âmbito da Interpol, única e exclusivamente para elementos de forças relacionadas com investigação.  

Advogado - E esse manual de procedimentos, foi o manual que seguiram?  

Rosa Mota - Sr. Doutor, todos os procedimentos que são seguidos na secção que investiga os abusos sexuais, têm também em consideração esse manual mas têm acrescidamente a situação em concreto, porque esse manual remete sempre para a situação em concreto.  

Advogado - Sim senhor, mas como eu não conhecia esse manual ...  

Rosa Mota - Não pode conhecer Sr. Doutor, é interno, é policial.  

Advogado - Sim senhor. Vamos depois pedir com certeza, para que ele possa ser junto aos autos. Agora a pergunta é esta, nesse manual de procedimentos não é aconselhável, ou não é aconselhado, não faz parte dos procedimentos que este tipo de averiguação policial, de investigação, as pessoas da Polícia sejam acompanhadas de psicólogos que integrem as equipas, que oiçam as pessoas com psicólogos, ou especialistas do ramo de psiquiatria ou da pedopsiquiatria, nesse manual de procedimentos, isto consta ou não consta?  

Rosa Mota - Que eu saiba não, de acordo com a nossa lei, não há nada que nos obrigue a ...   

Advogado - Não estou a falar da lei.  

Rosa Mota - Estamos Sr. Doutor, a Polícia obedece à lei.  

Advogado - Estou a falar de procedimentos.  

Rosa Mota - Não Sr. Doutor, a polícia obedece à lei na sua actuação. A Polícia Judiciária não tem nos seus quadros psicólogos afectos a investigação nenhuma, caso que tanto quanto sei acontecem em alguns dos países estrangeiros, portanto nós funcionamos com as regras aceites e impostas pela lei nacional.  

 

(António José) Dias André


Procurador - Havia algum manual, algum conjunto de regras pelas quais o Senhor e a equipa de Inspectores da Polícia Judiciária orientassem as inquirições? A forma como eram tomadas as ... as declarações? Havia?  

Dias André  - Havia todas as recomendações fornecidas pelos ... pelos ... pelas ONG's com as quais mantínhamos uma ... uma estreita colaboração que era muito, muito ... era muito usual. Desde o Chão dos Meninos, ao IAC, à APAV e ... e aliás os procedimentos que nós utilizávamos eram uma compilação de todas essas ONG's que foram transcritas para o manual CORE que é uma edição da APAV, que foi feito com a ... com a colaboração da Dr.ª Rosa Mota e com a minha. Portanto, e aqui estão os procedimentos todos que são utilizados internacionalmente.  

Procurador - Sr. Inspector esse livro que aí tem, tem-no desde quando?  

Dias André - Desde que ele foi editado portanto em 2 ... estávamos na altura no inicio do processo,  

Procurador - No inicio do processo, deste processo?  

Dias André -Sim, sim.  

Procurador - Portanto, Novembro de 2002?  

Dias André - Admito, não posso garantir. Sei que estávamos no início do processo quando ... quando este livro foi editado. Quando a APAV ...  

Procurador - Esse ... esse livro que o Sr. Inspector acaba de exibir, foi um livro que foi ... que só o Sr. Inspector tinha, serviu de patrão ... de padrão para orientação aos outros inspectores que formavam a brigada, foi distribuído pelos outros Srs. Inspectores que constituíam a brigada? Qual foi o grau de cumprimento ou de acatamento das instruções que decorriam desse ... desse manual?  

Dias André - Foi distribuído ... foi distribuído e estava disponível para todos os elementos da brigada e não só, e todos os elementos da polícia que na altura me solicitaram, porque a APAV fez o favor de nos enviar vários exemplares, para distribuirmos por quem trabalhasse na área. E paralelamente isto são os procedimentos já recalcados de todas essas reuniões e de todo ... de toda essa bibliografia que era recolhida junto das ONG's, quer das correntes, e posso aqui citar as correntes escandinavas ... a corrente escandinava que caiu em desuso, em prol da corrente canadiana, corrente canadiana que é e toda essa ...  

(...)

Juiz Presidente- Pode ... pode prosseguir Sr. Inspector.  

Dias André - Portanto e isto eram procedimentos que já estavam ... já estavam ... já estavam a ser utilizados na brigada.  (Nota minha: repare o que dizem TODOS os inspectores da brigada sobre este assunto!)

Procurador - Ó Sr. Inspector a Sr.ª Dr.ª Rosa Mota quando depôs neste julgamento perante uma pergunta correspondente a esta não fez referência nenhuma, pelo menos que eu tivesse ouvido, não fez referência nenhuma a esse manual e fez uma outra referência a uns ... a um manual da Interpol, creio que seria da Interpol ...  

Dias André - Sim  

Procurador - ... que também teria algum conjunto de regras relativamente à forma de proceder em casos desta natureza. O Sr. Inspector tem conhecimento de algum manual da Interpol?  

Dias André - Tenho.  

Procurador - De directivas, de recomendações?  

Dias André - Tenho, conheço e não é mais porque é um manual só para uso exclusivo das forças policiais. E portanto bem feito mas contudo estará um bocado desactualizado porque baseado em muita, como eu referi há pouco, em muita teoria oriunda da Escandinávia e os Suecos, Norueguês, Dinamarquês não têm muito a ver com a nossa cultura ...  


José Alcino (Álvaro Rodrigues)


Advogado - Sim, mas não, não há, não há, digamos, regras de procedimentos adoptadas? Não há, crimes de abuso sexual, deve-se fazer isto ... deve-se utilizar esta metodologia ...

José Alcino - Sim, mas nós frequentamos frequentemente, passo a expressão, institutos, seminários, conferências, cursos de actualização, cursos de actualização ...

Advogado - Sim senhor. Mas o que eu pergunto não é isso ...

José Alcino - Temos manuais também ...(imperceptível) ...

Advogado - Está aqui a olhar para este livro? O senhor conhecia este livro?

José Alcino - Conheço esse livro.

Advogado - Este livro, para ficar aqui, é o livro, é um livro da APAV, manual para o entendimento de crianças vítimas de violência sexual.

Juiz Presidente - Documento junto aos autos, audiência de julgamento.

Advogado - Documento junto aos autos. O senhor conhecia este, este livro?

José Alcino - Conheço.

Advogado -  Conhecia na altura?

José Alcino - Sim, sim.

Advogado -  Ou só conheceu agora?

José Alcino -  Não, não, conhecia na altura.

Advogado - Conhecia na altura. E tinha-o estudado, naturalmente?

José Alcino - Sim, li o livro.

Advogado - Olhe, é que neste livro, a propósito da ... daquilo que se deve fazer numa, numa investigação de abusos sexuais, portanto, é dirigido concretamente à investigação de abusos sexuais, diz-se precisamente o seguinte ... só, só em alguns tópicos, para também não perdermos muito tempo, diz que as entrevistas devem ser precedidas da obtenção de informação prévia dos relatórios dos serviços das instituições onde eles tenham estado. Que se devem reunir com os profissionais ... antes de se fazer as entrevistas, se devem reunir com os profissionais que tenham acompanhado as crianças, psicólogos, trabalhadores sociais. Que deve haver uma discussão multidisciplinar com psicólogos ou psiquiatras. Que deve haver um determinado ritmo na forma como as entrevistas são feitas, duração, a forma de convocação. Que se devem, que se devem filmar as entrevistas e explica até como é que é feita a filmagem, como é que, ou seja, tudo aquilo que são ... o bê-a-bá, as linhas ... logo as mais gordas deste manual, sobre a forma de investigar os abusos sexuais, os senhores não cumpriram e conheciam estas regras. E eu não tenho dúvida que conheciam, porque este livro que está aqui até agradece ao Inspector Dias André e à Coordenadora Rosa Mota o apoio que deram nisto e o senhor diz que conheciam, não tenho razão nenhuma para duvidar que não conhecesse. Agora o que eu não consigo compreender do ponto de vista até intelectual, é como é que conhecendo os senhores estes procedimentos, não os aplicaram no terreno.

José Alcino - Disse há pouco a orientação, a orientação deste, deste, desta investigação deste, deste processo era das minhas chefias, portanto, e assim nos era ordenado.

Advogado - Mas ó Sr. Inspector, mas o senhor podia, como homem experiente nisto e como conhecedor disto, dizer, oiça lá, mas porque é que nós não fazemos como diz aqui o manual que nós próprios aconselhamos a, a que se siga?

José Alcino - Isso é um manual de procedimentos ...

Advogado - Pois é.

José Alcino - ... acho que está aí, não ... há situações que não, que não, não, não podem, como dizer isto? Esse tipo ... há situações que não, não, não devem ser, não podem ser, portanto, seguidas à regra.

Advogado - E havia alguma razão para não se terem seguido estes procedimentos?

José Alcino - A inquirição, por exemplo a gravação de imagens, é, era uma situação ... obrigava a muitas cassetes e depois estar a transcrever, portanto era uma situação muito complicada ...

 

Fernando (Manuel Serralheiro Machado) Baptista


Advogado - Que procedimentos é que seguiam?

Fernando Baptista -Basicamente aqueles que estão definidos no manual Core, que que aliás tinha sido elaborado em 2001, ou 2002.

Advogado - Sim senhor. Conhecia também os procedimentos da Interpol?

Fernando Baptista - Não.

Advogado - Não. Portanto eram os procedimentos do manual Core que seguiam?

Fernando Baptista - Sim.


Helena (Isabel Coelho Marques de) Almeida


Helena Almeida - Não, de forma alguma. nem assim podia ser porque estamos a lidar com, com, com vítimas, muitas vezes de, de muito reduzida idade. Nós frequentámos conferências e seminários acerca do tema. Quando alguém entra numa 1ª fase nos crimes sexuais, obviamente que há uma conversa por parte da chefia, relativamente à forma como deve ser, como deve ser abordado ...

Advogado - Conhece, conhece este livro?

Helena Almeida - Portanto o manual, esse é o manual APAV. Sim, sim conheço.

Advogado - E era este manual que vos era aconselhado seguir?

Helena Almeida - Sim, era-nos aconselhado seguir ... se nós entendêssemos que, que o deveríamos ler, portanto não era de carácter obrigatório.

Advogado - Bem, mas isto é um manual para o atendimento de vítimas de violência sexual, a Senhora leu ou não leu?

Helena Almeida - Não, não li. Eu já disse que ...

Advogado - Não leu?

Helena Almeida - ...tenho conhecimento mas não o li.

Advogado - Não leu. Olhe e ... e leu o manual da Interpol, na parte respeitante à investigação de abusos?

Helena Almeida - Não, não li.

  

Rita (Margarida Ranha dos) Santos


Advogado - Mas para os abusos sexuais, teve ... havia um ... regras específicas? Um pouco por toda a Europa e nos Estados Unidos, no ... a partir dos anos 80 começaram a ser criadas regras específicas para as inquirições de situações de abuso sexual. Na Polícia Judiciária também as havia ou não? Escritas, documentos ...

Rita Santos - Não, não as há escritas.

Advogado - Não as há escritas. A Sr.ª Inspectora conhece este livro?

Rita Santos - Sim.

Juiz Presidente - Fazer referência a um manual da APAV que foi junto aos autos na sequência da ... ou durante a audição do Sr. Inspector Dias André, testemunha.

Advogado - Quando é que lhe foi facultado este livro?

Rita Santos - No início da, da, da investigação do ... quer dizer, quando eu fui trabalhar com o Inspector-chefe Dias André e com a Dr.ª Rosa Mota.

Advogado - Ele deu-lhe este livro?

Rita Santos - Sim.

Advogado - Pronto, ainda bem que há alguém que ... a quem o livro foi, foi dado. Porque houve aqui já outros Inspectores que foram ... que depuseram e que ... a quem não foi facultado o livro, nem lhe foi mostrado. Há alguma razão ... bem, isso não sabe. A si foi-lhe dado o livro?

Rita Santos - Sim.

Advogado - Pronto e a senhora leu-o?

Rita Santos - Sim.

Advogado - E teve ou não consciência de que a forma como se estavam a inquirir as testemunhas não correspondia a alguns dos princípios ... já vamos depois ver quais são, que estão aqui neste livro?

Rita Santos - Na altura ainda não tinha ouvido nenhuma testemunha de ... nenhuma testemunha de, de crime sexual.

Advogado -Na altura quando?

Rita Santos - Na altura em que me foi facultado esse livro.

Advogado - Ainda não tinha ouvido nenhuma?

Rita Santos - Não.

Advogado - Está bem, mas leu-o antes de começar a ouvir?

Rita Santos - Sim.

Advogado -Pronto. E até aqui uma, uma ... uma coisa que diz assim, "a entrevista de investigação com a criança" e ... tem aqui uns pontos que, enfim, isso já está ... agora a senhora também, também a testemunha dizer uma coisa diferente mas enfim, todos têm dito, por exemplo, informação prévia ... os senhores não tiveram acesso, antes de começar a inquirir as pessoas, aos relatórios que havia na Casa Pia sobre estes rapazes, aos livros de ocorrências, à informação clínica, médica ... não tiveram acesso a isso?

Rita Santos -Não.

Advogado - Não.

Rita Santos - Antes não.

Advogado - Mas aqui o tal livro diz que se deve começar por pedir isso. Tendo a Sr.ª Inspectora lido o livro, não foi dizer ao Inspector Dias André, "olhe, aqui de acordo com estas regras nós devíamos começar por fazer uma análise desta informação toda ...".

Rita Santos - Não.

Advogado - Não pediu?

Rita Santos - Não.

(...)

Advogado - Tiveram discussões ... a equipa de inquirição integrou pessoas ... psicólogos, pedopsiquiatras?

Rita Santos - Não.

Advogado - Não. Tiveram reuniões com psicólogos, pedopsiquiatras?

Rita Santos - Eu não.

Advogado - Não. Colocaram a questão de poderem filmar estas, estas ... desde a primeira inquirição, como também aqui sugere o livro?

Rita Santos - Não.

(...)

Advogado -A Sr.ª Inspectora teve consciência de que não estavam a seguir o que estava neste manual?

Rita Santos -Sim.

Advogado -E não lhe ocorreu colocar essas suas dúvidas e dizer aos seus chefes, mas olhem, nós estavam a fazer isto, não estamos aqui a fazer isto de acordo com este manual, com as regras que estão aqui a considerar ...

Rita Santos - Nós não temos que fazer as coisas de acordo com esse manual.

Advogado - É o manual recomendado.

Rita Santos - Recomendado. Algumas situações que aí estão descritas são, neste momento utópicas, em relação ao trabalho da Polícia Judiciária.

Advogado - Recolher informação prévia?

Rita Santos - Não, reuniões multidisciplinares. Nem sequer estou de acordo com isso.

Advogado - Reuniões ... vamos começar por um ponto. Informação prévia, era utópico pedir isto?

Rita Santos - Não, isso foi feito em determinada altura do processo.

Advogado - Depois das inquirições. Mas aqui é informação prévia. Não lhe ocorreu discutir com os seus superiores que ... que, olhe, se não estava de acordo, dizer não vamos fazer isto, porque não estamos de acordo. Não lhe ocorreu discutir os procedimentos na equipa?

Rita Santos - Não.

Advogado - Não?

Rita Santos - Não, os procedimentos que, que houve alguma necessidade de pôr em causa, ou que, ou que de alguma forma podia não concordar ou concordar mais ou menos com o que me era pedido para fazer, era conversado.

Advogado - Sr.ª Doutora, não é isso. A Sr.ª Doutora tem um manual que lhe é sugerido ...

Rita Santos - Recomendado.

Advogado - ... recomendado, que tem um conjunto de procedimentos. Esse conjunto de procedimentos não estão a ser seguidos, e a Sr.ª Doutora não lhe ocorre que a discussão sobre os procedimentos deve ter lugar na equipa, para saber o que é que vão fazer.

Rita Santos - Sim, poderia ter lugar na equipa mas não teve.


Valter (Leonardo Fernandes Pereira da Silva) Lucas


Advogado - E foi-lhe dado ... foram dadas ... foi-lhe indicado que procedimentos é que devia adoptar?

Valter Lucas - Foi-me dado uma indicação geral dos procedimentos a adoptar.

Advogado - Que indicação geral é que lhe deram?

Valter Lucas - Não lhe sei precisar, recordo-me de ter sido abordado o tema, neste momento não me recordo quais é que foram as indicações específicas.

Advogado - Não se recorda, portanto, deram-lhe uma indicação geral?

Valter Lucas - Sim, que eu lembro-me disso ter sido abordado, lembro ...

Advogado - Indicação geral de que género? Tenha cuidado a ouvir os rapazes? São pessoas traumatizadas? Deram-lhe procedimentos?

Valter Lucas - Mas seguramente que terá sido algo dentro desse género.

Advogado - Uma coisa assim deste género, no geral?

Valter Lucas  -Sim, geral.

Advogado - Portanto, procedimentos específicos, metodologias, isso não lhe indicaram?

Valter Lucas - Especificamente em relação ao abuso sexual de menores, não.

Advogado - O Doutor ... o Sr. Alexandre Dias André não lhe recomendou este livro que é um livro do manual ... o Manual da APAV?

Valter Lucas -Não.

Advogado - É que ele já esteve aí sentado e disse que era este ... que era estes os procedimentos que a equipa adoptava. Que tinha adoptado. A si não lhe participaram que deviam ser estes os procedimentos deste manual?

Valter Lucas -Não, a mim não.

Advogado -A si, não. E o Manual da Interpol? Sobre abusos sexuais? Sobre procedimentos em matéria de abusos sexuais? Deram-lhe alguma ... disseram-lhe para ler isso? recomendaram-lhe isso ou não?

Valter Lucas -Não.

Advogado - Disseram-lhe que era conveniente que antes de abordar os rapazes que tivesse ... que se procurasse preparar com especialistas, psicólogos, pedopsiquiatras, um trabalho multidisciplinar antes de propriamente fazer os interrogatórios?

Valter Lucas - Como eu já lhe disse é assim, fiz algumas inquirições a ofendidos, não foram muitas.

Advogado - Mas para as que fez teve essa ... deram-lhe instruções neste sentido? Teve ...

Valter Lucas - De falar com psicólogos ...

Advogado -Psicólogos, psiquiatras, quer dizer, preparar a entrevista num quadro multidisciplinar?

Valter Lucas - Tinha colegas já com vários anos de experiência na área e foi com esses colegas que falei.

Advogado -Portanto, não foi um quadro multidisciplinar?

Valter Lucas - Não, não foi um quadro multidisciplinar.

Advogado -Olhe e teve o cuidado de ... deram-lhe elementos para se preparar para essas entrevistas, conhecendo os antecedentes dos rapazes, informações que existissem na Casa Pia, relatórios sociais, relatórios da sua vida na Casa Pia, livros de ocorrências? Deram-lhe esse material ou não?

Valter Lucas - Em relação aos ... aos ofendidos que ouvi foi-me relatado o historial desses indivíduos.

Advogado - Mas deram-lhe material? Deram-lhe ...

Valter Lucas -É assim, não sei se me deram em folhas ou se me relataram pessoalmente qual é que era ...

Advogado --Mas relataram-lhe como?

Valter Lucas -Como se prepara qualquer trabalho, podem ter tido uma reunião comigo em que me relataram qual é que era o historial daquele rapaz, podem ter chegado ao pé de mim e dito: olhe, estão aqui estas folhas, isto é o historial desse ...

Advogado -Mas o senhor não se lembra se lhe fizeram uma coisa ou outra?

Valter Lucas -Não me lembro se fizeram uma coisa ou outra.

Advogado -E quem é que teve essas sessões de preparação consigo?

Valter Lucas - É assim, normalmente, era ou o Inspector-chefe Dias André ou a Coordenadora de Investigação Criminal, Dr.ª Rosa Mota.

  

Vítor (Nuno Menaia Cadete) Pita


Advogado -Não se recorda de nada. Está bem. O Sr. Inspector tinha, antes de iniciar esta investigação, já tinha experiência em matéria de abusos sexuais, de crimes relacionados com abusos sexuais?

Vitor Pita -Relativa, mas já.

Advogado -Quanto tempo?

Vitor Pita -Cerca de 4 meses.

(...)

Advogada -Muito bem ... durante o seu estágio pergunto-lhe se lhe foram, foram com certeza é um estágio, como qualquer estágio são dadas indicações ... quanto à forma, quanto aos procedimentos, e eu pergunto-lhe concretamente se durante o seu estágio com o Sr. Inspector Dias André e era coordenadora, como já disse também, a Sr.ª Sr. Inspectora Rosa Mota se lhe eram dadas indicações precisas como a forma ... que os autos deveriam ser feitos, nomeadamente, pergunto antes de mais nada quanto aos autos de inquirição de testemunhas ou de assistentes, o preenchimento desses autos, não me reporto, saliento, ao conteúdo das declarações, mas o que é que deveria constar desse auto?

Vitor Pita -Toda a informação julgada pertinente para o apuramento da verdade.

 

Cristina (Maria Pinto) Correia 


Advogada -Sr.ª Doutora, uma vez que fez parte da investigação ainda que por um breve período de tempo, não é, três meses, mas numa fase bastante importante ... pergunto-lhe e participou noutras diligências, aquelas fotografias que foram juntas a folhas 940 no dia 31 de Janeiro, tanto quanto eu consigo, posso estar errada mas conheço, conheço praticamente todas as diligências que foram feitas no processo, e em termos de reportagem fotográfica é a única situação em que não há qualquer indicação da diligência, que não há nenhum auto, que não há nenhuma referência a quem efectuou as fotografias, quando é que foram efectuadas, e por quem foram efectuadas, ao contrário do que sucede nas dezenas, talvez dezenas de reportagens fotográficas que existem ao longo do processo, a Sr.ª Doutora enquanto membro, a Sr.ª Inspectora enquanto membro da investigação naquela fase, e conhecendo os elementos da, da, da, da brigada e tendo uma experiência já considerável, tem alguma explicação para isso? 

Cristina Correia -Não, é, pode ser ... 

Advogada -É um procedimento normal? 

Cristina Correia -Não, até como a Doutora diz, todas as outras reportagens estão, estão datadas, não é, e identificadas de quem foi a sua autoria, neste caso pode, só encontro uma explicação de ser um lapso do colega que, que as fez, ou que as digitalizou e, e depois pôs no processo, não, não tenho outra explicação, não, não conheço a razão. 

(...)

Juiz Presidente -Sabe esclarecer o Tribunal tendo em atenção o seu procedimento, o procedimento que normalmente têm em diligências idênticas, o porquê da não existência desse auto? 

Cristina Correia -Não, não tenho nenhuma explicação, não sei. 

Juiz Presidente -Costuma fazer mesmo quando é o seu procedimento que esteve naquela diligência, era mesmo quando é negativa, fazer o relato da diligência? 

Cristina Correia -Eu pessoalmente costumo fazer nas diligências que eu esteja a determinar ou esteja eu a, a dirigir. 

Juiz Presidente -Sim. 

Cristina Correia -Ou a realizá-las, sim. 

Juiz Presidente -Para este caso concreto, não pode acrescer nada quanto à inexistência de? 

Cristina Correia -Não, não tenho nenhuma explicação ou razão para essa falha.