Geral > Magistrados- Competentes, incompetentes, bem ou mal formados?

O conceituado jornal francês Le Monde publicou no passado mês de Fevereiro uma pequena entrevista com o director da Escola Nacional da Magistratura que corresponde, em França, ao nosso CEJ (Centro de Estudos Judiciários, onde se formam juízes e procuradores). Parece-me importante divulgá-la para que se reflicta sobre a importância da formação dos magistrados e sobre a sua actuação. Em França foi preciso o caso Outreau para se concluir sobre as falhas da preparação de Juízes e Procuradores. E em Portugal?

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19.02.2011

Jean-François Thony, Director da Escola Nacional da Magistratura

Outreau: "A pedagogia desenvolvida na ENM foi repensada"

Dez anos depois do seu despoletar, o Caso Outreau não foi esquecido, e muito menos os Juízes O que instruiu o Processo, o Juiz Fabrice Burgaud, foi particularmente posto em causa pela sua gestão deste fiasco judiciário que se saldou pela absolvição de treze pessoas, tendo algumas passado anos na prisão. Hoje, um juiz poderia cometer o mesmo erro? A formação dos magistrados evoluiu? Jean François Thony, director da Escola Nacional da Magistratura, explica ao Le Monde como a sua Escola repôs o conteúdo humano no coração da formação.

 

-Dez anos depois, o caso Outreau assombra sempre ENM?

 
Jean-François Thony: Assombrar é uma palavra muito forte. No entanto, este caso continua nas mentes dos professores como no dos alunos. As falhas reveladas por este caso são a base do nosso pensamento sobre o tratamento de um caso penal. Essas questões são discutidas com os alunos. A pedagogia desenvolvida na Escola Nacional da Magistratura foi redesenhada.
Trata-se de desenvolver, juntamente com as competências técnicas necessárias, a capacidade de levar em conta a dimensão humana dos processos, de dotar os alunos  de Justiça para fornecer saber-fazer e saber-ser. Isto significa controlar o litígio, mas também cultivar uma abertura de espírito. É colocar a dimensão humana no centro da sua acção. Isso traduz-se também no fortalecimento das aulas em ligação com a comunicação e a gestão, o reforço das simulações de audiência, bem como novos "ateliers", por exemplo sobre a recolha do testemunho, durante a qual o comportamento do futuro magistrado em relação dos indivíduos julgados é analisado por juízes e psicólogos.

 
-Podemos dizer que houve um antes e depois Outreau?


-A ENM já existe há mais de cinquenta anos e não deixou de se ajustar desde então. Além do recente aumento na duração do estágio de advogado que permite, durante seis meses, aos futuros juízes, descobrir a justiça através do outro lado do espelho, uma importante reforma que foi iniciado em 2007. Tem nomeadamente como objectivos específicos modernizar os concursos e levar mais em conta, em todos os estados da formação, a dimensão humana da função de magistrado e reforçar a diversidade e a abertura da Escola.


-Por exemplo?


-Para concursos, novos testes são destinados a avaliar as competências pessoais dos candidatos: colocação em situação colectiva,  testes de personalidade e de aptidão, reunião com o júri sobre o modelo tipo das entrevistas de recrutamento. Quanto à formação, a ênfase é na aquisição de competências fundamentais do magistrado, como a ética e a deontologia, técnica de entrevista, a psicologia, ao invés de apenas uma aproximação técnica. Recrutamento também se diversificou, com um número crescente de alunos com experiência de trabalho anterior. A idade média da promoção de 2011 é de 30 anos, para que os futuros juízes que ingressam na ENM tenham o seu primeiro emprego à volta dos 33 anos.

 
-Depois do caso Outreau, o povo e os magistrados reconciliaram-se?

 
-As expectativas dos cidadãos em matéria de justiça são importantes e contraditórias. Eles esperam que ela seja mais humana e mais severa, que permita a reintegração, mas que afaste os infractores. Aplicar a lei, resolver litígios, apaziguar conflitos, declarar a culpabilidade são as missões difíceis. O magistrado encontra a sua legitimidade no respeito pela lei e no respeito pelos pelos julgados.


-Recentemente, os juízes manifestaram a sua indignação contra Nicolas Sarkozy, que havia questionado o seu trabalho no caso Laëtitia. Você acha que, mais do que antes, os magistrados devem defender o seu trabalho?


-A função judiciária é uma das mais nobres da República, mas certamente uma das mais difíceis. Espera-se que o juiz resolva litígios em que as partes não encontraram nenhuma solução, que descubra a verdade que alguns tentam esconder, que arbitre debates da sociedade, não resolvidos pelo legislador. A expectativa sobre a justiça é forte e cada vez mais exigente. A independência, imparcialidade, ética, a neutralidade, profissionalismo, mas também a humanidade dos juízes como fonte de recursos seguros para o arguido. Estes são os valores da Escola da Magistratura.

 

Nota: O Caso Laetitia tem a ver com o desaparecimento de uma jovem de 18 anos e da libertação do suspeito de rapto e homicídio. Os Juízes fizeram greve em vários pontos de França devido às declarações do Presidente francês contra os magistrados e contra a polícia.