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TÉCNICAS DE ENTREVISTA (INTERROGATÓRIO)

Citamos o livro "Forensics Psychology" de Lawrence S. Wrightsman (professor Emeritus de Psicologia Social com especialização em Psicologia e Lei, da Universidade de Minenesota):

1. Os entrevistadores devem falar com as crianças uma linguagem que elas entendam; assim devem ouvir uma amostra do discurso da criança para determinar o seu grau de linguagem. As perguntas subsequentes devem reflectir esse nível de linguagem

2. A documentação é essencial; se não forem gravadas, as perguntas e respostas devem ser registadas "verbatim" (textual e totalmente) sempre que possível. As categorias da CBCA são úteis aqui para julgar sobre a validade dos depoimentos da criança.

3. O interrogatório deve começar com perguntas de ordem geral e abertas. Se a narrativa resultar os entrevistadores podem incitar a criança a elaborara mas devem ser evitadas perguntas capciosas.

A APA (American Psychological Association) admite ser possível  "construir pseudo-memórias sobre acontecimentos que nunca ocorreram. O mecanismo ou mecanismos pelos quais estas pseudo-memórias ocorrem não é normalmente bem compreendido".

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Uma das tentações ao entrevistar jovens é o uso de perguntas capciosas (leading questions) ou perguntas que já assumem uma determinada resposta. O dilema é que, sem o uso de tais perguntas, a criança pode mostrar-se relutante em responder, mas a natureza da pergunta pode levar a criança a responder na direcção sugerida, mesmo que a resposta não reflicta os sentimentos ou as crenças da criança.

Os procedimentos para entrevistar usados pela equipa do Instituto Internacional da Criança no caso McMartin Preschool (que deu origem ao filme "O Silêncio dos Culpados" ) foram severamente criticados por  vários psicólogos e assistentes sociais (Ceci & Bruck, 1995; Mason, 1991) e o acesso às transcrições dessas entrevistas (graças ao departamento de Psicologia da Universidade McGill) permitiu a identificação de problemas específicos. Os cinco procedimentos que se  seguem foram identificados como questionáveis por James M. Wood,  Garven e os seus colegas (Wood et al., 1997; Garven, Wood, Malpass & Shaw, 1998).

1-     Uso de perguntas sugestivas- Este problema envolve mais do que simplesmente perguntar à criança um conjunto de perguntas capciosas. A técnica de perguntas sugestivas  consiste na introdução de nova informação quando a criança ainda não forneceu essa informação na mesma entrevista" (Garven et al., 1998, pg. 348). Por exemplo um "CII" (Coordenador de Investigação?) perguntou a uma criança da escola McMartin: "Lembras-te de fotografias de nus?" quando nunca tinha sido referida a existência de fotos ou de nudez (citado por Garven et al., 1998, pg. 348). Perguntas sugestivas reduzem o nível de credibilidade dos relatos das crianças (Ceci & Bruck, 1993); mesmo as respostas de adultos são susceptíveis de ser alteradas por tais perguntas (Loftus, 1975).

2-     A Implicação da confirmação por outras pessoas- O que Wood et al. (1997) chama a técnica de "Outras Pessoas" envolve dizer à criança que o entrevistador já obteve informação de outra criança ou crianças no que se refere ao tópico a ser discutido. Por exemplo, quando começou uma entrevista, um membro da equipa do CII disse à criança que "todas as crianças" de uma fotografia da aula já lhe tinham falado acerca de "um conjunto de segredos yucky"  da escola (citado por Garven et al. 1998, pg. 348). Tais acções criam pressões (para serem conformes) tal como acontece com técnicas similares de interrogatórios da polícia usadas com suspeitos. A memória dos adultos tal como a das crianças pode ser substancialmente afectada pelo conteúdo dos depoimentos de outras testemunhas. (Shaw, Garven, & Wood, 1997)

3-     Uso de consequências positivas e negativas- Wood et al. (1997) notou o uso frequente de reforço negativo e positivo nas entrevistas do caso McMartin. Os psicólogos classificaram a técnica de dar ou prometer elogios e outros prémios como "Consequências Positivas". Por exemplo, depois de uma série de perguntas sugestivas levar uma criança a concordar que um professor tinha fotografado algumas crianças nuas, o entrevistador respondeu: "Posso-te fazer uma festinha na cabeça... vê como podes ajudar muito. Vais ajudar todas aquelas criancinhas porque és esperto" (citado por citado por Garven et al. 1998, pg. 349). A técnica chamada "Consequências Negativas" reflectem o criticismo sobre um depoimento de uma criança ou uma indicação geral de que tal depoimento é inadequado ou uma desilusão. Wood, Garven e os seus colegas encontraram exemplos impressionantes nas transcrições. Por exemplo, uma criança negou qualquer mau comportamento da equipa da escola McMartin e a resposta do entrevistador foi: "Vais ser estúpido ou vais ser esperto e ajudar-nos?" (citado por Garven et  al., 1998, pg 349). Embora estes psicólogos tenham notado que os efeitos do reforço negativo e positivo na credibilidade das crianças não foi explorado no campo forense, existe uma larga aceitação do seu impacto geral.

4-     Repetição de Interrogatórios- Imagine que você é uma criança e que o entrevistador continua a fazer uma pergunta a que você já respondeu sem ambiguidades, alguns minutos antes. Poderia este procedimento levar a alterar a sua resposta?. Wood e os seus colegas chamam a isso o método do "Perguntado-e-Respondido". As pesquisas encontraram geralmente que as crianças mudarão as suas respostas às perguntas de "resposta forçada" mas não às perguntas abertas; a interpretação é que as crianças assumem que a sua primeira resposta a uma pergunta de "resposta forçada" estava errada e mudam-na para agradar ao entrevistador. (Siegal, Waters, & Dinwiddy, 1988).

5-     Convite à especulação- No método a que Wood et al (1997) chamam "Convite à especulação", é pedido à criança que "finja" ou "imagine qualquer coisa"; esta técnica foi usada pelos entrevistadores quando outros processos falharam para confirmar comportamentos errados. (Mais uma vez, é notavelmente similar à técnica usada pela polícia com os suspeitos, quando lhes pedem para jogar ou responder a uma pergunta como "Imagine  que a matava - como é que o faria?"). Com efeito, este procedimento baixa o limiar para produzir depoimentos incriminatórios que mais tarde podem ser "confirmados" pelo uso dos processos descritos acima, especialmente "reforço do positivo" e "interrogatório repetido".

The Criterion Based Content Analysis Technique (CBCA)

Muitas vezes o objectivo da entrevista com uma criança alegada vítima de abuso surge para levar a criança a fornecer mais informação acerca do abuso que o entrevistador assume que aconteceu. Precisamos de recuar e ter consciência de que as alegações podem ser verdadeiras ou inteiramente fabricadas (ou algo intermediário). Têm os psicólogos processos para distinguir entre depoimentos verdadeiros e fantasiosos e verdadeiros?

O CBCA foi desenvolvido como um processo clínico, na Alemanha, para distinguir alegações verdadeiras de crianças de alegações falsas. (Undeutsch, 1982, 1984, 1989). O CBCA é um componente de um procedimento mais completo, chamado Statement Validity Assessment (SVA), que consiste de três partes: entrevista estruturada com a testemunha criança, o CBCA e a aplicação da "Statement Validity Checklist" que dá acesso a outras características  do processo de entrevista, a testemunha e a investigação (Raskin & Esplin, 1991) A descrição destes processos é a seguinte:

A parte da entrevista estruturada consiste de uma extensa entrevista com a alegada vítima usando perguntas direccionadas. O objectivo desta parte do SVA é criar uma ligação e acesso às capacidades cognitivas, comportamentais e sociais da criança. A segunda parte do SVA consiste no CBCA. Aqui, um conjunto de critérios é aplicado ao conteúdo verbal do depoimento da criança e usado para fornecer uma estimativa sobre a veracidade do depoimento. A presença de um critério é uma indicação de que a criança está a dizer a verdade. Durante esta análise pode ser importante considerar a idade da criança, a sua experiência e nível de aptidão quando se aplicam os critérios. (exº: os depoimentos verbais das crianças podem conter menos detalhes que é um dos critérios do CBCA).

A última parte do SVA consiste na aplicação da Statement Validity Checklist que contém factores relacionados com os depoimentos que avaliam a validade de uma série de outras características relacionadas com a entrevista, a testemunha e a investigação... Estas características incluem, por exemplo, o estado psicológico da criança e coisas acerca da entrevista que podem ter influenciado o seu conteúdo. Com base na integração dos resultados destas três partes do SVA é então feita  uma avaliação global sobre a veracidade do depoimento.

Finalmente mais um elemento importante que se encaixa no texto anterior. Foi Publicado pelo  "The Journal of Credibility Assessment and Witness Psychology" 1997, Vol. 1, No. 2, 44-67 - Publicado pelo Departamento de Psicologia da  Boise State University.

Trata-se de um trabalho sobre a sugestibilidade das crianças no qual encontramos um quadro que explica as perguntas que podem ser feitas e que podem sugestionar os seus depoimentos.

Table 2. Tipos de Perguntas com Baixa e Alta Sugestibilidade

Tipos de Perguntas

Exemplos

Baixa Sugestibilidade

Perguntas Abertas




"O que é que aconteceu?" O que é que tu viste?"

Identificação

"Que horas eram?"

Selecção

"Era Homem ou Mulher""

Pergunta Sim-Não

"O homem disse alguma coisa?"

Alta sugestibildade

Perguntas Sugestivas



"Ele pôs o dinheiro roubado no bolso?"

Descrição e avaliação implícitas

"A que velocidade  X  corre  quando o viste fugir da loja?"

Expectativa Implícita

"E então a vítima certamente gritou por ajuda?"

Separação incompleta em pergunta alternativa

"Era um carro preto ou encarnado?"

Pressão para concordância (comparação social)

"A e B  declararam que... Não viste o mesmo?"

Partículas elocutórias, frase,  entoação  

"Com certeza tu ouviste o tiro não ouviste?"

Perguntas de continuidade (elaboração de conteúdo sugerido)

"Agora que fialmente admitiste que ouviste o tiro, de onde é que ele partiu?"

Pergunta repetida

"Tens a certeza? Pergunto outta vez: X levou o dinheiro?"

Feedback Negativo

"Pura e simplesmente não é possível que não te lembres disso!"

Ameaça e Promessa

"Continuarei a perguntar-te até que me digas o que é que X te fez. Caso contrário não te largarei. Sentir-te-ás melhor quando me contares

Por aqui se vê a extraordinária importância dos depoimentos serem gravados em vídeo. Ou então, como se diz atrás os depoimentos devem ser escritos na íntegra e não transformados em resumos que as crianças assinam muitas vezes sem entenderem o que lá está escrito. E por tudo o que passou neste Processo, para mim é lícito desconfiar dos caminhos que levaram a certos depoimentos.

Finalmente uma citação de Gunter Köhnken renomado Professor da Universidade de Kiev:

Uma outra forma de fabricação parcial ocorre se a testemunha viveu de facto o acontecimento em questão (ou pelo menos um similar), mas com outra pessoa que não é a que está a se acusada. Por exemplo, uma criança pode ter tido experiências anteriores de abuso sexual ou uma mulher pode ter sido violada antes. Em tal caso, o próprio acontecimento é descrito da memória mas em relação à pessoa acusada, o tempo e o local podem ter estar a ser fabricados!

A internet está cheia de informação. Aconselho consultar a Associação Americana de Psicologia e os sites: www.falsiabusi.it e www.truthinjustice.org/child-abuse.htm