Geral > Barra da Costa sobre Sexo, crianças e abusadores

Barra da Costa é professor, criminologista e investigador dos mais conceituados do nosso país. Nunca se sujeitou ao "politicamente correcto" por mais delicado que fosse o assunto ou a situação. Recentemente anunciou através do livro "Perfis Psicocriminais , Do Estripador de Lisboa ao Profiler" saber quem é e onde vive o "Estripador de Lisboa" depois de uma exaustiva investigação que vinha realizando sistemáticamente seguindo os canones duma verdadeira investigação. Assim, matou e arrumou defenitivamente o "Estripador" da Felicia Cabrita.

Para o livro "Sexo, crianças e abusadores" da autora Filipa Carrola, o prof. Barra da Costa escreveu um prefácio que merece a pena ler porque põe, frontalmente e com argumentação indestrutivel, o dedo na ferida das vergonhosas acções levadas a cabo no processo Casa Pia. Apenas em algumas delas, mas suficientemente importantes para ajudar a desenhar a monstruosidade de que tudo se revestiu.

Vale a pena ler. Por isso aqui fica.

 

PREFÁCIO

Por razões académicas já conhecia o trabalho de Filipa Carrola, designadamente a investigação clínico-forense ora em apreço, produzida no decurso do 2° ano de Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade da Beira Interior, titulada Perfil Personalístico e de Saúde Mental de Abusadores Sexuais de Crianças: Abordagem Clínica do Profiling.

A amostra forense envolvera 63 abusadores sexuais de crianças, que foram avaliados ao nível da personalidade e da saúde mental nos Estabelecimentos Prisionais da Guarda, Castelo Branco, Covilhã e Carregueira-Sintra, nos quais se encontravam a cumprir pena. Para efeitos comparativos e com o objectivo de alcançar maior precisão psicométrica e qualidade da investigação (em termos empíricos e científicos), constituiu-se então um grupo com idêntico número de sujeitos da população normativa (que, de igual modo, foi também avaliado ao nível da personalidade e da saúde mental).

No final, e após análise estatística de todas as variáveis implicadas na investigação, procedera-se à análise clínica dos resultados, para assim se desenvolver, em termos de perfil, a devida caracterização personalística e de saúde mental de ambos os grupos.

Desta investigação, após sua defesa pública, resultara a publicação de um artigo numa revista de Criminologia do Brasil 1 e dois capítulos de livro, numa revista portuguesa 2.

Nestes termos, quando fui convidado pela jovem autora para me abalançar ao «seu» prefácio ocorreu-me falar da conspiração de silêncio que, por vezes, rodeia a criança abusada, por parte dos familiares, para, entre outras coisas, ocultarem a publicitação do facto. Lembrei-me que também não ficaria mal fazer uma breve análise sócio-histórica da sexualidade e falar do sexo normal e do anormal, e do patológico, e do amor, quiçá do casamento e das perturbações sexuais, bem corno das disfunções, das parafilias e das perturbação de identidade do género. E, porque não, da vitimização sexual, do incesto e da exploração sexual. Do agressor e da vítima. Do processo de desenvolvimento de um abuso sexual: do início em que o abusador controla situação); do contacto sexual (um processo lento e gradual); do secretismo; da descoberta; e da forma como ele, por vezes, é suprimido («abafado») no contexto interno das famílias. Também pensei abordar as consequências da vitimização sexual de crianças, em termos orgânicos e psíquicos, a curto, médio e longo prazo. Dos três principais momentos da investigação do abuso sexual em crianças: o exame físico, a observação do menor e as entrevistas e técnicas especializadas. Especialmente a entrevista, pois é aí que de há muito sinto necessidade em questionar a idade a partir da qual as crianças podem fornecer garantias de validade no que toca ao seu depoimento. Devemos aceitar que dos dois aos quatro anos os testemunhos não nos devem merecer consideração? E dos quatro anos até à puberdade, devemos correr o risco de aceitar como verdadeira uma falsa acusação?

Na verdade a criança confunde, cria, constrói a sua realidade. Mas, devemos, por isso, recear as consequências dos seus enganos e efabulações e, em consequência, recusar sistematicamente o seu testemunho?

Já ouvi crianças mentir conscientemente, motivadas pelo receio de um castigo; outras vezes, a causa de uma mentira foi apenas o prazer da invenção; e, em alguns casos ainda, a criança terá sido levada a criar urna «declaração imaginária».

A verdade é que se a criança for interrogada de forma competente, ela não é menos digna que o adulto, nem o seu testemunho deixa de se constituir como base de uma apreciação perfeitamente útil. Daqui a recuperar um caso judicial que desde o seu início me interessou, até porque tinha já escrito sobre estas matérias 3, foi quase um salto no abismo.

Muito rapidamente, de que é que eu estou a falar? Nem mais nem menos do que da investigação criminal no processo de abuso sexual de menores mais anunciado nas últimas décadas em Portugal - o «caso Casa Pia».

Em primeiro lugar, qual a questão fundamental a reter, ainda que o assentar da poeira esteja demorado? Precisamente a questão de se saber se os jovens mentiram ou não podiam ter mentido. Um psiquiatra (não me lembro do nome) deixou claro na altura que os jovens que ele acompanhou tinham um discurso coerente; e disse isso para assegurar que não havia mentiras.

A verdade é que ninguém desfez a confusão entre duas noções diferentes, isto é, passou a ideia «científica» de que «ter» um discurso coerente é sinónimo de «ser» verdadeiro. Ora, isso é totalmente mentira.

Esse é um erro crasso que não se pode admitir nunca, muito menos em casos judiciais onde as provas objectivas (registos, locais, etc.) contradizem os testemunhos e onde os próprios testemunhos não coincidem entre si. Quanto mais não fosse, e se isso fosse verdade, então o comum dos mortais - que tem um discurso coerente, como se sabe - não mentiria nunca! O que todos sabemos é que isto também não é verdade! Ou então, qualquer romance de ficção passaria a ser verdadeiro.

Fico espantado que um psiquiatra possa fazer, como fez, essa confusão. Porque há inclusivamente quadros psicopatológicos, como, por exemplo, o da perturbação delirante, que se caracterizam precisamente pelo facto do indivíduo ter um discurso perfeitamente coerente, de contar coisas não bizarras, e ser difícil de detectar a priori que está a mentir, dado o seu grau de coerência (leia-se, ideias encadeadas logicamente, bem organizadas, discurso fluido, normal). Dito de outra maneira, embora sejam ideias falsas, factos falsos, que nunca se passaram, delirantes (sem correspondência com a realidade e «desrnentiveis» pelas evidências em contrário), o sujeito insiste, reitera e acredita que sejam verdade.

Nestes casos, as ideias ou factos que os indivíduos passam não vêm de um juízo cindo sobre uma situação qualquer que tenham vivido, ou de uma percepção errada sobre um ambiente ou uma conversa. Não. Estas ideias ou estes factos vêm de urna convicção. São ideias ou factos pura e simplesmente não reais (irreais), de que a pessoa está convicta. Trata-se de ideias que são construídas tendo em vista UM objectivo, dependendo esse objectivo da situação em que ele está ou do que pretende obter com isso.

Tudo isso tem que ver com a personalidade do indivíduo, mais concretamente com o domínio afectivo, não com a inteligência ou com as competências cogni-tivas do sujeito, apesar de tanto a inteligência como o domínio afectivo, forçosa-mente, ajudarem a construir fábulas. Fábulas que a memória ajuda a reter. Até que o sujeito se convence mesmo da situação, que passa para ele a ser real.

Mas, pode-se também mentir sem ter este quadro psicopatotógico; aliás, mes-mo sem n ter quadro psicopatológico algum. Há muitas maneiras de não dizer a ver-dade, ou seja, de mentir. O exemplo da comunicação social, mas não só, é perfeito: a comunicação social omite o conjunto, que deturpa; e refere um aspecto particular de um todo, que passa a ser o todo para justificar a deturpação.

Dizer coisas todas falsas, com uma verdade ínfima à mistura, dá a credibilidade total a uma mentira construída. Quem é que não sabe isto?

Em segundo lugar e relativamente à mentira das crianças (mas que também serve para os adultos), é que a mentira é mais frequente do que se pensa, mesmo em crianças equilibradas e com bons ambientes familiares.

Mas, vamos ao processo Casa Pia: o aludido psiquiatra disse que foi terapeuta dos jovens já numa fase posterior a todos os abusos, mas que nunca falou com eles sobre essas experiências que relataram à Justiça.

Disse mais o psiquiatra, que também foi terapeuta, que no processo também foi testemunha. Não disse de quê, nem de quem. Presume-se que foi testemunha das crianças, para testemunhar que elas tinham um discurso coerente e, portanto,  não mentiam.

Em terceiro lugar, o que queria acrescentar, no âmbito da investigação cri-minal no abuso sexual de menores, é que é importante desacreditar este tipo de testemunhos. O psiquiatra não pode cientificamente afirmar isso. Muito menos em Tribunal. E, portanto, o tribunal não devia ter aceitado o seu testemunho corno garantia de credibilidade das crianças no que respeita aos factos relatados.

O facto de serem psiquiatricamente seguidos no momento em que o foram - é preciso enfatizar isto - significa que estavam emocionalmente desequilibradas, caso contrário não precisariam de terapia psiquiátrica.

É só isto que o psiquiatra pode afirmar em tribunal. E, portanto, era só isto que o tribunal podia reter: que quando as pessoas estão desequilibradas emocionalmente podem sofrer alterações cognitivas (de memória, de coerência de discurso, de controlo das reacções emocionais). Só isto é que pode ser dito por um psiquiatra.

E nada de extrapolações de tempo (o especialista não pode fazer extrapolações sobre o estado da criança, porque só viu o jovem e não a criança). E no «processo Casa Pia» o factor temporal foi decisivo.

Como sabemos, quando se observa abusados e abusadores estamos a falar de casos muito «delicados» do ponto de vista técnico, visto que diversas variáveis estão potencialmente envolvidas, como sejam, material biológico, testemunhos de adultos, cenários de manipulação que podem envolver «pequenas vinganças», crianças e adolescentes com uma auto-estima muito baixa, sugestionabilidade e até fenómenos de «falsas memórias», para não falar nos famigerados reconhecimentos à vista ou em line-ups de discutível qualidade científica.

Logo, é necessária uma perícia técnica muito cuidada na avaliação das vítimas e do seu discurso. Obviamente, nunca um terapeuta de uma criança vitimizada pode realizar qualquer avaliação a ela respeitante, por motivos éticos e técnicos. Aliás, esta é urna prática corrente nas perícias médico-legais e de psicologia forense realizadas nos hospitais, onde nunca se distribui uma perícia a alguém que seja terapeuta do examinando.

A verdade nestes casos - não havendo «provas objectivas» - é muito difícil de ser atestada com uma margem de certeza absoluta. Isto é, dizer-se que «o sujeito mente» ou «o sujeito não mente» face a uma acusação por ele proferida é, tecnicamente, impossível.

A propósito, o teste do polígrafo não serve como prova porque se verificou que basta o contexto em que é aplicado e a simples menção do facto de que o indivíduo é acusado para aumentar notoriamente os níveis de ansiedade, logo, originando falsos-positivos. Os psicopatas, por exemplo - agora denominados portadores de perturbação anti-social da personalidade - fornecem falsos-negativos pelas suas características de ausência de ressonância afectiva face aos crimes praticados.

É, pois, estranhíssima a assumpção absoluta de que «as crianças não mentem» debitada pelos senhores doutores psiquiatras e terapeutas.

É verdade também que a maioria dos psiquiatras e psicólogos deste país apenas muito longinquamente tinham ouvido falar do abuso sexual de menores até ao «caso Casa Pia». Adivinho que, estes senhores «destacados» para a investigação do caso, tenham ido (muito) apressadamente ler «umas coisas» a este respeito.

Consta que a um não se lhe conheciam tais saberes e que um outro era tão versado no assunto que em sete anos de serviço na Casa Pia nunca se terá apercebido de nenhum caso de abuso sexual de menores. É obra.

O meu argumento vai no sentido de que garantir, através de testes e observações, que as crianças e jovens adolescentes do processo Casa Pia estavam a dizer a verdade quando acusaram A, B e C de terem cometido abusos sexuais, deve ser refutado com um categórico «NÃO».

Durante as três décadas em que trabalhei na Polícia Judiciária (PJ) e nos últimos 10 anos de investigação académica, vivi a prática da prova testemunhal, do reconhecimento fotográfico, de interrogatórios, dos síndromas de falsas memórias, e é meu dever criticar o modo como estas afirmações foram proferidas, publicamente, dado o facto dos clínicos serem também médicos particulares de algumas das crianças e jovens envolvidos. Se isto tivesse sucedido nos Estados Unidos da América, seriam processados por difamação.

Como é possível reivindicar-se ou afirmar-se que se tem a certeza de que as crianças estão a dizer a verdade? Eu, pela minha parte, desconheço qualquer teste que possa fornecer essa garantia. Mas sei que algumas justificações assentaram em testes que dizem ter sido realizados aos jovens (WISC, CAT e RORSCFIAS-CH). Ora, é enganador, para não dizer irresponsável, que alguém venha sugerir que esses testes funcionem nessa direcção, quando não existe nenhuma evidência credível sobre isso.

Há a possibilidade de se ter vivido em Portugal um processo de histeria de falsas acusações sobre abusos sexuais, em grande parte provocado por um processo de sugestão e inquinação testemunhal. Mas há outras vítimas, além dos inocentes acusados: as próprias crianças.

Muitos processos destroem as crianças. Ao serem tratadas como se tivessem sido abusadas, quando isso afinal não aconteceu, as crianças que não eram vítimas transformaram-se em vítimas da própria falsa alegação. Serão doentes do foro mental, quando não eram. O mais que esses especialistas poderiam ter atestado é que as próprias pessoas julgavam que estavam a dizer a verdade, o que é completamente diferente. Porque, de modo nenhum há uma forma de podermos atestar que, de facto, o testemunho de outra pessoa é verdadeiro.

Mas o que verdadeiramente escandalizou a comunidade académica, insisto, foi ter-se sabido que os clínicos foram simultaneamente terapeutas de vários destes jovens. Ser terapeuta e perito é totalmente incompatível.

Recorde-se que os relatórios neste âmbito entregues ao Ministério Público (MP) validaram os testemunhos dos jovens e crianças da Casa Pia nas acusações.

De facto, os resultados dos testes de avaliação da personalidade das testemunhas do processo de pedofilia na Casa Pia de Lisboa, efectuados pela psicóloga clínica do Instituto Nacional de Medicina Legal de Lisboa (doravante INML) de Lisboa, destinados a aferir da credibilidade das alegadas vítimas, atestaram que estas eram credíveis e falavam a verdade. Falta apenas dizer que, cumprindo uma ordem da juíza do processo, o organismo competente da Ordem dos Médicos analisou esses exames e deitou por terra a forma como as perícias foram efectuadas, garantindo que os exames eram inconclusivos e que, através deles, não era possível determinar se os jovens eram ou não credíveis. Mais, que os testes usados e denominados WATS, MMPT (ou a sua versão reduzida Mini-Mult) e Rorscliach 4 não são apropriados para a avaliação da credibilidade das pessoas e que, além disso, foram mal aplicados aos casos em concreto e os seus resultados não foram bem interpretados pela perita.

Mais ainda: que deveria ter sido analisada a motivação dos sujeitos para a iniciativa das denúncias, o seu grau de sugestionabilidade, imaturidade, dependência e contactos a que foram sujeitos. Mas nada disto terá sido feito.

Os testes de personalidade feitos às alegadas vítimas foram um dos factores fulcrais para que o juiz Ruí Teixeira tivesse mantido a prisão preventiva de vários arguidos do processo, alguns dos quais foram depois libertados pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

O juiz tinha considerado mesmo que a «credibilidade» aferida pela técnica do INML não deixava dúvidas de que os jovens não estavam a mentir. O que significava que se os arguidos tinham álibis para determinadas datas concretas, isso só se poderia dever a lapsos nas descrições e contextualizações cometidos pelas alegadas vítimas.

Veja-se o caso de Herman José. Estava provadamente no Brasil na data referida pelo jovem para o alegado abuso em Portugal. Mas o MP não se ficou. E foi pior a emenda que o soneto ao sustentar que "em termos de crimes sexuais as datas são o que menos interessa". Pois são. Assim como também se deve pensar mais uni pouco antes de se dizer uma asneira, pelo menos deste calibre. Sem esquecermos que no debate instrutório se chegou mesmo a tentar introduzir urna nova testemunha que alteraria a data...

Veja-se, igualmente, a «justificação» dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa para absolver os anteriormente condenados no «crime de Elvas»: apesar de ficar provado que os condenados em 1ª instância cometeram os crimes em causa, não há, contudo, certezas quanto às datas dos crimes... Como é?! Num caso há provas mas não há datas, noutro caso há datas mas não há provas!...

Quando foi ouvida pela juíza de instrução, a psicóloga clínica do INML revelou que trabalhava essencialmente com adultos e adolescentes maiores de 16 anos e que não tinha experiência em situações de abusos sexuais. Confessou ainda que nenhum dos testes que usou serve para aferir se uma pessoa fala a verdade ou mentira. Admitiu que pode ter havido falhas devido ao pouco tempo que teve para fazer as perícias e reconheceu que os relatos que lhe foram feitos podiam ter sido construídos na PJ. Salientou que não era especialista na área dos abusos sexuais e que no país não havia testes desta natureza.

Ora aqui está uma amostra daquilo a que um cidadão pode estar sujeito, em alguns tribunais deste país, porque, como sabemos, em termos judiciais urna banal distorção da memória pode ter efeitos devastadores. E não me corrijam se estiver enganado, mas nenhum de nós quer uma justiça destas, onde valem as escutas telefónicas e pouco mais, para além dos bufos, dos arrependidos, dos que entraram na cadeia e depois colaboraram e como prémio já cá estão fora; dos que não chegaram a entrar, tantos recursos interpuseram que os processos prescreveram; e daqueles que se anteciparam e fugiram para Paris. Pelo meio até houve lá para os Algarves quem quisesse que o abanar do rabo por parte dos cães também passasse a valer como indicador de verdade, isto sem pôr em causa, obviamente, que duas cabeças pensam melhor que uma...

Fechando o círculo, enquanto entre 2010 e 2012 a Polícia deteve por semana um ou mais agressores sexuais de crianças ou menores dependentes, quase sempre com ligação ao círculo familiar e de vizinhança, e o MP registou só em Lisboa, Coimbra e Évora 1183 inquéritos, os tribunais colocaram em liberdade mais de 300 condenados. Por alguma razão não há urna unidade curricular de Psicologia em Direito, nem os magistrados são regularmente sujeitos a testes psicológicos. Ao invés, de forma simétrica e inversa, no contexto a que aludimos foram realizados no INML mais de 30 testes de personalidade às vítimas em menos de um mês; mais, foi negado à psicóloga o acesso aos processos individuais da Casa Pia e aos familiares e outras pessoas das relações dos jovens, bem como aos respectivos depoimentos na RI. Talvez por isso a psicóloga se tenha retratado em audiência de julgamento quando declarou que se enganou ao utilizar nas suas conclusões o termo «VERACIDADE», impossível de sustentar neste quadro científico. Mas, o mal já estava feito.

Como pretendíamos demonstrar, é urgente que as autoridades judiciais passem a recorrer a equipas de peritos totalmente independentes para os apoiar neste tipo de casos.

É com estes olhos que devemos ler esta obra de Filipa Carrola, que em parte alguma se preocupa com a representação moral deste fenómeno, apesar de se perceber a sua preocupação no que respeita às práticas sociais, às diversas contaminações e necessárias prevenções que habitam os medos que percorrem estes territórios. Trata-se de um documento académico e um instrumento fundamental que «vale a pena» para aqueles que no terreno se confrontam com a necessidade de pesquisar ou controlar o abuso sexual de crianças.

José Martins Barra da Costa,

(Professor universitário e Profiler criminal).

 

1 Maia, L.,Pombo, P., Simões, E & Carrola, F. (2011). Estudo de caso de Abusadores Sexuais de Crianças, em reclusão, numa Perspectiva Neuropsicológica e Neuroimagiológica. Revista de Criminologia e Ciências Penitenciárias, 2 (1), 1 - 36.

2 Maia, L., Pombo, P., Simões, F. & Carrola, E (2011). Estudo de caso de Abusadores Sexuais de Crianças em reclusão: Perspectiva Neuropsicológica e Neuroimagiológica. In F. Almeida & L. Maia (Coords.). Revista Peritia Edição Especial Temática Criminologia e Psicologia Forense: Aproximação Disciplinar (pp. 34 - 54). Oliveira do Bairro: Revista Peritia - Revista Portuguesa de Psicologia. Carrola, E & Maia, L. (2011). Perfil Persorialístico e de Saúde Mental de Abusadores Sexuais de Crianças - Abordagem Clínica do Profiling. In F. Almeida & L. Maia (Coords.). Revista Peritia Edição Especial Temática - Criminologia e Psicologia Forense: Aproximação Disciplinar (pp. 94 - 119). Oliveira do Bairro: Revista Peritia - Revista Portuguesa de Psicologia

3 Barra da Costa, J. & Alves, L. (1999). Perspectivas Teóricas e Investigação no Domínio da Delinquência Sexual em Portugal. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, (2), 281-312 Barra da Costa, J. & Alves, L. (2001). Prostituição 2001 O masculino e feminino de rua. Lisboa: Colibri Barra da Costa, J. (2009). Crimes Sexuais. O investigador e a criança abusada. Revista Online Saúde e Educação, (4), 21-23 Barra da Costa, 3. (2012). Em favor da vítima: A criminologia, a investigação criminal e a crirninalistica. In F. Almeida & L. Mala (Coords.). Revista Peritia Edição Especial Temática - Criminologia e Psicologia Forense: Aproximação Disciplinar. (pp. 6-9). Oliveira do Bairro: Revista Peritia - Revista Portuguesa de Psicologia

4 MMPI é um conjunto classificável de 500 perguntas, frequentemente usado para esclarecer patologias da personalidade; é um exame complementar, nunca servindo de base de trabalho, como terá acontecido no processo Casa Pia. Rorschach é um teste que consiste na apreciação de uma série de manchas de tinta, que o examinando vai interpretando e dizendo a que se assemelham. É muito contestado na comunidade científica. Quanto ao WAIS-R é um teste de inteligência que mede diferentes aptidões supostamente contributivas da inteligência.

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