Já expliquei várias vezes que no célebre caso de 1982 eu nunca fui acusado de coisa nenhuma. Fui ouvido em 1984 para me perguntarem se eu conhecia um embaixador de nome Jorge Ritto, se frequentava a casa dele onde teriam lugar actos sexuais com alunos da Casa Pia. O meu nome era referenciado por um aluno como frequentador da casa. Lembro-me de ter pedido que me trouxessem esse rapaz à minha presença tendo como resposta que não valia a pena porque a história não tinha credibilidade. E pronto. Nunca mais fui ouvido. Foi com o Processo Casa Pia que descobri que tinha havido um processo. Que a Procuradora o tinha mandado arquivar. E que entretanto foi destruído ou desapareceu.

A Procuradora que mandou arquivar o processo é muito clara na entrevista que deu ao Correio da Manhã em 29.11.2002:

 

"Maria do Carmo Peralta foi a magistrada que, em 1987, arquivou o processo contra Jorge Ritto. Na quarta-feira disse ao 'CM' que não se lembrava de ter tomado essa decisão. Mas ontem, após se ter deslocado à PGR, "descobriu" que tinha sido ela quem fez o "despacho de arquivamento"

CM -Por que razão é que, em 1987, arquivou o processo de um alegado caso de pedofilia que envolvia crianças da Casa Pia e o embaixador Jorge Ritto?

MCP -Por falta de provas. Segundo o que apurei, do despacho que fiz, o único arguido no processo, dr. Jorge Ritto, nunca foi ouvido.

CM -Não é estranho?

MCP -Acho que sim."

José Carlos, o tal rapaz que referenciou o meu nome em 1982, que nunca esteve em casa de Jorge Ritto e nunca me viu lá, baseou-se numa pequena história inventada para me citar.

O Jornal 24Horas, através do jornalista Rui Gustavo, encontrou-o em 2002 e esclareceu o assunto.

Outros jornalistas tentaram convencê-lo a dizer o contrário e a sua inquirição pela Procuradora Paula Soares até foi marcada pela Felícia Cabrita!

 

E vejamos agora o que ele disse em Tribunal (transcrição da gravação áudio da audiência)


Advogado
 

Então conte lá sem, à vontade, diga a verdade, diga tudo o que se lembra, o que não se lembra não se lembra, o que se lembra diga.  

José Carlos  

É assim, a gente quando fomos abordados lá pelos educadores e pelo suposto, teve que se ir à Polícia Judiciária, eles perguntaram ah, no dia anterior já tinha visto, já tinha dito o meu colega que olhou, tinha dito que viu um coiso na televisão e disse "olha aquele foi o, o que eu lhe dei a banhada ontem".  

(...)

Advogado  

E apareceu na televisão o Sr. Carlos Cruz, foi?  

José Carlos  

Sim, apareceu, alguém identificou, depois um educador, sabia lá que era o Sr. Carlos Cruz.  

(...)

Advogado  

E então o Senhor ouviu o Sr. Jaime dizer o quê?  

José Carlos  

Aquele foi o que eu lhe dei a banhada ontem.  

Advogado  

E aquele que era?  

José Carlos  

A gente na altura não sabia quem era, houve um adulto qualquer que estava ali ao lado e que disse que era o Carlos Cruz.  

Advogado  

E isso tinha sido ali ao pé dos Jardins de Belém?  

José Carlos  

Não ele só falou da banhada não sei onde foi. Não sei onde foi.  

Advogado  

Isso foi antes da fuga.  

José Carlos  

Derivado à fuga é que eu falei, é que eu falei nisso porque eles começaram, como é que eu hei-de dizer, eles queriam saber tudo o que a gente sabia.  

(...)

Advogado  

Disse que tinha sido o Sr. Carlos Cruz?  

José Carlos  

Não, ele não disse o nome da pessoa, alguém, um outro adulto é que disse que era o Carlos Cruz que agente não sabia que era o Carlos Cruz.  

Advogado  

Mas o Senhor quando falou na ... à Polícia...

José Carlos  

Aí eu já sabia que era o Carlos Cruz.    

Advogado  

Pronto, sim senhor. O Senhor nas suas conversas com o Sr. Jaime e com a D. Teresa e com esse grupo, além desta referência à tal banhada do Sr. Carlos Cruz, ouviu mais alguma referência ao Sr. Carlos Cruz?  

José Carlos  

Não.  

Advogado  

Ouviu nalgum colega mais alguma referência a que o Sr. Carlos Cruz fosse cliente de alguma dessas pessoas, nunca ouviu nenhuma referência?  

José Carlos  

Não.  

Advogado  

Pronto. Quando foi ouvido em 1982 (mil novecentos e oitenta e dois), quando foi ouvido lá pela polícia, contou também isso?

José Carlos  

Sim, acho que nem me perguntaram isso.  

(...)

Advogado  

E portanto essa referência que o Senhor, que o Senhor, que o Jaime P. fez ao Sr. Carlos Cruz, o Senhor admite que possa ter sido uma gabarolice?  

José Carlos  

É assim: agora sim.  

Advogado  

Agora sim.  

José Carlos  

Agora sim.  

Advogado  

Na altura não, na altura não sabia.  

José Carlos  

Não porque depois a gente deixou de falar nisso e nunca mais passámos cartão a isso.  

Advogado  

E agora sim, porquê?  

José Carlos  

Porque, não sei se foi há 1 (um) ano ou há 2 (dois) anos quando vi o Jaime e ele disse-me que afinal era mentira.  

Advogado  

O Jaime disse-lhe que era mentira?   

José Carlos  

Mentira.  

(...)

Advogado  

Em que contexto é que foi essa conversa que teve com o Sr. Jaime?  

José Carlos  

Foi, ele veio ter comigo...  

Advogado  

Hum.  

José Carlos  

... com uma Jornalista também e tivemos os dois a falar e eu ...  perguntei-lhe da confirmação pelo, no qual eu estou metido também é só por causa disso, e perguntei-lhe a ele, pronto se aquilo era mesmo verdade e ele disse que era treta.  

Advogado  

E ele disse que era treta.  

Advogado  

Então vamos lá ir para o ... o deixar ir em paz porque o Senhor no fundo o que sabe resume-se a, àquilo que no fundo já disse mas eu queria que isso ficasse claro. A única referência que o Senhor no seu passado ouviu ao Sr. Carlos Cruz foi aquela que referiu aqui há pouco, quando estavam a ver televisão?  

José Carlos  

Sim.  

Advogado  

De certeza.  

José Carlos  

Absoluta. 

Advogado  

Certeza absoluta, o Sr. Jaime P. quando se encontrou consigo acerca de um ano ou dois, disse-lhe que essa referência era uma treta? 

Juiz Presidente  

Sr. Doutor já há pouco disse, ouvimos Sr. Doutor, o Tribunal ouviu e está gravado, Sr. Doutor.  

 

A educadora que foi a casa do embaixador buscar o rapaz e a rapariga desaparecidos foi Maria Isabel Evangelista Mendes que depõe em tribunal:

 

Advogado  

Sr.ª D. Maria Isabel, a Senhora enfim tomou conhecimento pelos jornais, enfim, da importância que neste processo teve essa história de mil novecentos ... 

Maria Isabel Evangelista Mendes  

Infelizmente.

Advogado  

... e oitenta e dois e da importância da sua própria pessoa, no fundo e por isso é que veio aqui depor. Eu agora queria-lhe perguntar se ao longo destes 5 anos em que isto já veio nos jornais, se a Senhora alguma vez foi abordada por pessoas, sejam elas quais forem, para pressionarem ... Agora diga isto, diga aquilo ... diga que viu lá fotografias do Carlos Cruz, diga que não viu, diga que não soube de nada ... 

Maria Isabel Evangelista Mendes  

... infelizmente sim. 

Advogado  

Então e diga lá quem é que ...  

Maria Isabel Evangelista Mendes  

Principalmente ao telefone e foram lá a casa, eu limitei-me na televisão a dizer aquilo que apenas estava no meu relatório.  

Advogado  

E quem é que foram essas pessoas que fizeram essas ... 

Maria Isabel Evangelista Mendes  

Pelo telefone, não me diziam quem era, pelo telefone. E houve uma Senhora até que uma vez me telefonou e eu, ainda feita parva talvez, não lhe desliguei o telefone. Que ela dizia se não disser que viu as fotografias e se não disser não sei quê,  eu tenho provas e vou prendê-la ... uma série de disparates. Eu tenho um bocadinho, felizmente que o médico, estou medicada e não tenho tido problemas, mas ... que vem de longe um bocadinho de epilepsia. E nessa noite passei tão mal, fui parar ao hospital.

(...)

Advogado  

Essa Senhora que lhe disse, se a Senhora não disser que viu as fotografias eu tenho provas, eu vou prendê-la, não sabe quem foi?

Maria Isabel Evangelista Mendes  

Não, não. Era pelo telefone e eu acabei por desligar o telefone. Acabei por lhe desligar o telefone. Eu disse assim:  

- Então vá lá fazer queixas de mim e deixe-me da mão.  

 

O outro educador que acompanhou Maria Isabel Evangelista  foi Francisco Goes Faria, ouvido em julgamento por videoconferência:

 

Advogado  

Sim senhor. Portanto, o Senhor lá no local ver as fotografias não viu?  

Francisco Goes Faria  

Não vi fotografias porque não fui ao apartamento.  

 

E para fechar este episódio resta acrescentar o seguinte:

O Jaime P. (o tal autor da expressão banhada e que foi uma treta) foi ouvido pela PJ no inquérito. Embora arrolado para vir testemunhar em Tribunal não foi encontrado. Mas o seu depoimento foi lido em julgamento e nele é peremptório:

O único amigo do Jorge Ritto que conheceu foi, um indivíduo que segundo pensa seria advogado, tendo passado uma semana com tal amigo, cujo nome não recorda, no Algarve, na companhia do Jorge Ritto que, na altura, acompanhava com um amigo do depoente de que não recorda o nome"

 

Nota: este episódio de 1982 tem ainda um pormenor que me parece muito importante: entre Maio de 1975 e Março de 1984 eu não fiz televisão. Apenas apresentei, em Dezembro de 1978 a chamada "Operação Pirâmide,com o Raul Solnado e o Fialho Gouveia, uma "maratona" a favor da Cruz Vermelha Portugesa. E, em 1981, também com eles, o programa "E o Resto São Cantigas". Dificilmente eu teria aparecido no ecrã em 1982.