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Expresso- 21.08.2010

NÚMEROS E FICÇÕES DO PROCESSO CASA PIA

por: Ricardo Sá Fernandes


1. O juiz Lopes Barata proferiu e fez lavrar em acta, na última sessão do julgamento do processo Casa Pia, uma declaração em que responsabiliza os advogados pelo atraso na feitura da sentença, cuja "redacção contínua e serena" estaria a ser afectada pelas irregularidades/nulidades suscitadas em termos "a que não assistimos em nenhum outro processo no país"(sic). Por outro lado, o juiz prevê que não será possível ler a sentença a 3 de Setembro, o que, a acontecer, deverá implicar que lhe seja, de novo, concedida a exclusividade para poder ajudar a juíza presidente, no que foi acompanhado pela outra juíza adjunta.

Tais declarações foram proferidas no contexto subsequente ao pedido formulado pela defesa de Manuel Abrantes, subscrito pelas restantes defesas, no sentido de que fosse invalidada a audiência de 5 de Agosto, por inadmissibilidade legal, a que se deveria seguir a leitura do acórdão até 9 de Agosto, de forma a salvaguardar a validade integral do julgamento, uma vez que a lei não admite - segundo algumas orientações - interrupções por prazo superior a 30 dias.

2. A gravidade das declarações do juiz Lopes Barata decorre da objectiva ofensa a advogados que têm actuado com ele no quadro da maior lisura e respeito, da objectiva desconsideração à juíza presidente - também obviamente visada - e, sobretudo, da confusão que geram na opinião pública acerca daquilo que tem motivado o atraso em causa, tendo as alegações finais sido encerradas a 2 de Fevereiro de 2009.

Ora, essa demora não pode ser imputada aos advogados, já que as tais irregularidades/nulidades suscitadas até à sessão de 5 de Agosto, isto é, nos 19 meses precedentes, se limitaram a pôr em causa as alterações aos factos da acusação (em rigor, da pronúncia). Pelo contrário, o atraso é apenas da responsabilidade do tribunal, que iniciou - vai para 20 meses - o seu processo deliberativo. Bastará, de resto, recordar que, findas as alegações, o tribunal precisou de 9 meses para iniciar a comunicação daquelas alterações e só as concluiu em Janeiro de 2010.

Os quase 20 meses entretanto decorridos consumiram-se, pois, quase exclusivamente no processo deliberativo do tribunal, sendo reduzida a actividade processual dos arguidos, que praticamente se têm limitado a comparecer aos sucessivos agendamentos e reaberturas de audiência determinadas pelo tribunal, bem como a reagir às alterações feitas à acusação e, nessa sequência, a requerer diligências de prova, quase todas, aliás, indeferidas.

3. Outra especulação frequente é a do número de recursos que estaria pendente -ora na casa das centenas, ora na das dezenas -, com o que se estaria a criar um monstro processual destinado a entorpecer a acção da justiça. Porém, a verdade que os números do processo demonstram, em matéria de recursos, é precisamente o contrário do que tem sido propalado.

Relativamente aos actos praticados durante a audiência de julgamento - de Novembro de 2004 a Fevereiro de 2009 -, estão nesta data pendentes 16 recursos interpostos, a saber, 5 por Carlos Silvino, 5 por Ferreira Diniz, 3 por Carlos Cruz, 1 por Jorge Rito, 1 pelo M.P. e 1 pela Casa Pia. No caso de Carlos Cruz, 3 recursos, o que dá uma média inferior a 1 recurso por ano.

A tais recursos, há apenas a acrescentar alguns, escassos, referentes a actos praticados antes do início da audiência de julgamento, dos quais o mais relevante tem a ver com a validação dos actos do juiz Rui Teixeira, bem como os recursos motivados pelas alterações à acusação ordenadas pelo tribunal, a partir de Novembro de 2009.

Pelo exposto, qualquer um pode facilmente concluir que a litigiosidade dos sujeitos processuais, em matéria de recursos, tem sido baixíssima, o que significa que, apesar de todas as "escaramuças" e paixões que o processo envolveu, os advogados se souberam conter nos limites do razoável, para o que, de resto, contribuiu a gestão da audiência que a juíza presidente fez.

4. O processo Casa Pia está a ter o mais longo processo deliberativo da história da justiça portuguesa. E isso tem uma explicação objectiva - a excepcional extensão dos meios de prova recolhidos - e terá também os fundamentos subjectivos decorrentes das dificuldades que os juízes estão a encontrar para fazer uma justiça célere, o que espero venha a ter a vantagem de permitir, apesar de tudo, uma melhor justiça.