Processual > João Guerra

Após o processo ter sido formalmente avocado pelo Ministério Publico, a direcção e responsabilidade da investigação deste processo ficou sob alçada exclusiva do Procurador da Republica João Guerra e das procuradoras adjuntas Paula Soares e Cristina Faleiro sem mais terem de informar a Direcção da Policia Judiciária.

As duas procuradoras adjuntas Paula Soares e Cristina Faleiro ficaram adstritas a este processo até, pelo menos perto do fim do julgamento, fazendo aparições esporádicas nas salas de audiência. Por essa razão não puderam ser chamadas a depor. O mesmo aconteceu com o procurador João Guerra. Tudo isto por despacho do então Procurador Geral Souto Moura.

Porque terá sido tomada essa decisão?

Importa então saber como é que a Brigada de investigação funcionou nesta altura. Como era em termos processuais? Quem tinha acesso ao processo? Quem o organizava? Quem tomava decisões? Quem analisava as informações? Quem promovia diligências?

 

Quem tinha acesso ao processo e quem o organizava:

Advogado - Ó Sr.ª Doutora, não tem nenhuma explicação para o facto de neste exemplo e haverá outros de facto, a cronologia que os documentos apontam, portanto, o processo não segue uma sequência cronológica normal, tem documentos com datas posteriores, mas outros com datas anteriores, outros depois com datas posteriores, a Sr.ª Doutora diz que a direcção da Polícia ... os elementos da Polícia Judiciária não têm responsabilidade nisso, é isto?

Rosa Mota - Sr. Doutor, o processo teve uma orientação cronológica eventualmente a sua colocação em auto, em processo como peça processual que era mesmo antes de ser organizada cronologicamente, foi feito no Ministério Público.

Advogado - Pronto. Portanto, a responsabilidade ...

Rosa Mota - Nós nunca tivemos ...

Advogado - Não tiveram essa responsabilidade. Pronto.

Rosa Mota - ... o processo ... Sr. Doutor, não, o processo estava avocado ...

Advogado - Sr.ª Doutora já percebi isso ...

Rosa Mota - Nós nunca tivemos o inquérito nas nossas mãos.

 

Será esta situação normal?

Rosa Mota  - ... há falhas em termos de cotas e eu posso-lhe explicar porque é que existem estas falhas processuais em termos de cotas. Quando a Polícia realiza as diligências e organiza o inquérito essas cotas como o Sr. Doutor já deve ter visto muitas vezes constam dos autos, estamos a falar duma situação anómala em que a Polícia realizava as diligências e o processo era organizado pelo Ministério Público. Portanto, como pode calcular não era uma única pessoa que controlava e que organizava o processo e falhas, pequenas falhas como estas aconteceram assumidamente.  

  

Quem era responsável pela organização e enumeração do processo:

Juiz Presidente - Se puder esclarecer, o tribunal agradece ...

Rosa Mota - Sr. Doutor, a organização do processo era do Ministério Público, nós realizávamos as diligências, agarrávamos nas folhinhas soltas, entregávamos no Ministério Público, a organização era deles, este tipo de elementos se é que corresponde àquilo que eu calculo que seja ...

Advogado - A culpa será do Ministério Público?

Rosa Mota - Sr. Doutor, que eu calculo que seja foi solicitado pelo Ministério Público era o Ministério Público que numerava o inquérito como não podia deixar de ser porque as diligências, tanto eram feitas na Polícia como no Ministério Público, quem organizava o processo é que tinha que numerar como é óbvio. Não lhe posso dar essa explicação.

 

Quem tinha conhecimento dos autos e quem promovia diligências:

Rosa Mota - Sr.ª Doutora, até 7 de Fevereiro a Polícia Judiciária colaborou nos termos legais, deu a sua colaboração ao Ministério Público na realização das diligências.

Advogada - Pergunto ...

Rosa Mota - Ou seja ...

Advogada - Sim.

Rosa Mota - ... realizou diligências concretas determinadas pelo Ministério Público.

Advogada - Sempre determinadas pelo Ministério Público?

Rosa Mota - Sim, claro.

Advogada - Portanto, e então depois de 7 de Fevereiro a situação manteve-se?

Rosa Mota - Não, não tínhamos inclusive conhecimento ...

Advogada - Pronto.

Rosa Mota - ... de rigorosamente nada do que estava nos autos.

Advogada - Pronto.

Rosa Mota - Ou que pudesse ter sido acrescentada, nada. Com excepção daquilo que ...

Advogada - Pronto, então

  

Quem dirigia e quem executava:

Advogado - ... não estavam, quer dizer, não estavam, essas águas não estavam claras. E havia digamos, alguma ... falta de esclarecimento acerca de como é que se processaria a colaboração entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária?  

Rosa Mota - Não Sr. Doutor. A direcção do inquérito sempre foi, nessa data também era do Ministério Público, a determinação das diligências a realizar eram do Ministério Público, a execução das mesmas, por questões técnicas, por questões de pessoal, por diversas questões, eram feitas pela polícia judiciária.  

 

Quem decidia quem era ouvido e quem não era ouvido - relembro que o Provedor Luís Rebelo chegou a ser apontado por Francisco Guerra como abusador:

Advogado - ... que importa fazer, chegaram a ouvir em auto, o Dr. Luís Rebelo? E no caso negativo, porque é que o terão excluído, uma vez que era provedor, uma vez que, enfim, correspondeu a alguma indicação, alguma directiva, essa ... essa opção ou não se lembra, se quer, de não ter sido ouvido?

Rosa Mota - Atendendo ao universo de pessoas envolvidas na investigação e atendendo que havia uma equipa constituída para proceder à investigação, houve situações que ficaram a cargo da política judiciária para as executar, houve outras que ficaram a cargo do Ministério Público, que me lembre, o único aqui presente que foi interrogado por nós, foi o Sr. Carlos Silvino, todos os outros, os interrogatórios foram feitos pelo Ministério Público, os directores dos colégios da Casa Pia, se não a totalidade, a quase totalidade das inquirições, foram feitas pelo Ministério Público e isso eram decisões que eram tomadas em termos de ... de direcção do inquérito e nós cumprimos as orientações do Ministério Público.

 

Quem requeria informações e quem a analisava:

Advogada - E a investigação, arguidos, portanto, arguidos entre si, não, não chegaram portanto, não, mas não chegou a haver ou não chegou a ...não houve conclusão nenhuma?

Rosa Mota - Não. Fizemos algumas e algumas não haviam conclusão. Houve processos inclusive, processos consulares que desapareceram, houve documentos que não nos foram fornecidos, houve dificuldades de acesso a tudo o que seja elemento que foi solicitado. Uma série de elementos.

Advogada - Sr.ª Doutora ... elementos que não foram fornecidos? De parte de quem? De ... algum organismo ...

Rosa Mota - De alguns organismos, eu não ...

Advogada - Pode ...

Rosa Mota - ... lhe posso concretizar neste momento quais exactamente porque como pode calcular, estando a investigação na posse do Ministério Público, era o Ministério Público a solicitá-las. Falava-se disso mas não era eu que as solicitava.

(...)

Advogada - Portanto, não recorda em concreto a relevância desses documentos, como é que foram avaliados, como é que foram analisados?  

Rosa Mota - Ó Sr.ª Doutora, a análise e a avaliação era, não era basicamente nossa, era do Ministério Público, não é.

 

Quem tinha acesso à informação factual relativa ao processo:

Advogada - Muito bem, concretamente, alguma vez na Casa Pia, na Casa Pia, enfim, nas diligências que fez, examinou livros de ocorrências? Quando falo na Casa Pia, falo nos todos ... em todos os seus colégios e lares ...

Rosa Mota - O livro das ocorrências.

Advogada - ... e quando digo examinou, é se a Sr.ª Doutora, directamente ou algum elemento da sua equipa, da equipa que coordenava, se sabe se o fez?

Rosa Mota - Que eu me recorde, não.

Advogada - Processos individuais de alunos?

Rosa Mota - Os processos individuais de alunos, foram sempre entregues ao Ministério Público.

Advogada - Sim, foram entregues, isso eu sei, mas o que eu pergunto é, podia ter havido diligências prévias de ... de análise e verificar o interesse e depois pedir formalmente.

Rosa Mota - Que eu me lembre, não.

Advogada - Não. Pronto. Livros de ocorrências, não se lembra? Está bem, pronto. Em algum momento, houve....

Rosa Mota - Tínhamos alguns relatos que deveriam estar ou devem ter... constar do livro de ocorrências, mas relatos de... das educadoras, por sua iniciativa.

Advogada - Pronto, mas não a verificação em concreto...

Rosa Mota - Não.

Advogada - ... desses relatos?

Rosa Mota - Não me lembro, que me lembre, não.

 

Porquê é que não fizeram buscas a minha casa nem aos meus computadores?

Advogado - ... e a questão que queria colocar é o seguinte, porque é que não fizeram busca à residência do Sr. Carlos Cruz?  

Rosa Mota - É uma opção da investigação, que era dirigida pelo Ministério Público, Sr. Doutor  

Advogado - Mas eu não vi nenhum, no processo, Sr. Doutor Rosa Mota, não ... o Ministério Público dirige, mas a Polícia Judiciária foi suscitando diligências, neste caso concreto, não foi feita busca à residência do Sr. Carlos Cruz, não foram apreendidos computadores, penso que não foram apreendidos telemóveis, porquê?  

Rosa Mota - Sr. Doutor, a realização de uma busca, é uma ordem judicial, a pedido do Ministério Público, é emitido pelo Juiz de instrução, não cabe à Polícia Judiciária tomar essa decisão.  

 

Quem mandou prender:

Advogado - Bom, a partir de certo momento, resolvem então dar um passo no sentido de começarem, digamos, a caminhar para a arguição e para convocar pessoas, digamos, numa lógica de imputação, como é que chegaram a esse ... esse momento, que segurança tiveram para caminhar para esse momento?  

Rosa Mota - Quando o Ministério Público, como titular da investigação, entendeu que estavam reunidos os elementos necessários para haver uma suspeição forte de que aquelas pessoas em concreto, tinham praticado os factos de que eram denunciados.  

Advogado - Quer dizer, não era uma opção voluntarista da polícia, decidir arguir ...  

Rosa Mota  - Não.  

 

Quem ordenava buscas:

Advogada  - Outra coisa, Sr.ª Doutora, relativamente a buscas, já foram aqui referidas as que foram feitas, as que não foram feitas, a casas, a residências de habitação, dos arguidos, sendo certo que não foram feitas, creio eu, buscas às residências, apenas do, do Sr. Carlos Cruz e do Dr. Hugo Marçal, com ... pelas razões que a Sr.ª Doutora já aqui explicitou, a pergunta que eu lhe colocava é, porque é que não foi sugerida uma ... ou efectuada, uma busca ao escritório do Dr. Hugo Marçal?  

Rosa Mota - Sr.ª Doutora, isso era uma decisão que cabia ao Ministério Público.  

Advogada - Entendo, Sr.ª Doutora, mas da parte da Polícia Judiciária, não houve, porque é que não houve da, da parte da Polícia Judiciária essa sugestão, essa...  

Rosa Mota - Sr.ª Doutora, as diligências do processo, algumas eram sugeridas pela Polícia Judiciária, outras, a decisão era desde o primeiro momento, única e exclusivamente da ... do Ministério Público.  

(...)

Rosa Mota  - Sr.ª Doutora, nem todas as diligências que foram realizadas neste processo, foram sugeridas pela Polícia Judiciária, muitas foram as diligências realizadas e da competência do Ministério Público, que não foram nem tinham que ser, sugeridas pela Polícia Judiciária, a realização de buscas são diligências que o Ministério Público promove ou não promove, sem necessitar de qualquer tipo de intervenção da Polícia Judiciária.  

 

Quem investigava a quem pertencia um determinado imóvel ou decidia fotografar essa casa:

Advogada - Tentar, tentar ... saber se ... quem eram proprietários, arrendatários, utilizadores da casa, das casas referidas, lembra-se de alguma ... diligência?  

Rosa Mota - Isso era, era a parte ... de, de trabalho que era necessário executar e que estava a cargo da, da parte da equipa que pertencia ao Ministério Público.  

Advogada - Também Ministério Público?  

Rosa Mota - Eram eles que faziam os pedidos, sim.  

Advogada - Por exemplo fotografar o interior de uma casa, isso competiria ao Ministério Público ou a Polícia Judiciária?  

Rosa Mota - Sr.ª Doutora a fotografia do interior de uma casa só poderíamos entrar lá com um mandado de busca, como é óbvio.  

 

Quem decidia o que fazer às denuncias anónimas:

Advogada - Já mo disse, pronto. E então relativo, o que nos está a querer dizer para que fique absolutamente claro é que, essas, essas cartas que eram recebidas, mesmo aquelas que não eram anónimas iam directamente para o Ministério Público e da ... e o Ministério ... deixe-me só concluir, e o Ministério Público o que é que dizia? Dizia ... investiguem neste sentido esta informação ou não investiguem esta informação, é isso que a Sr.ª Doutora nos está a querer dizer?  

Rosa Mota - O que eu estou a dizer é que, enviava ou o documento ou a carta anónima ou não anónima para o Ministério Público, o Ministério Público, relativo, o que fazia relativamente a essas cartas nesse momento, não faço a mínima ideia, a nós pedia-nos diligências concretas, podiam ter a ver ou não com as cartas anónimas, com as denúncias anónimas, façam esta diligência ...  

Advogada - Pronto.  

Rosa Mota - ... nem sequer tinham que nos dizer de qual era o inquérito.

 

E quem determinou as perícias médicas:

Juiz Presidente - Sr.ª Doutora, como coordenadora, determinou a realização de algum exame médico a alguma testemunha ou a alguma pessoa, ou algum aluno interno da Casa Pia?  

Rosa Mota - Não, Sr.ª Doutora, isso foi determinado pelo Ministério Público.  

Advogada - Sr.ª Doutora, então eu pergunto, na medida em que diz que formava uma equipa com o Ministério Público, a partir de 7 de Fevereiro de 2003 e que no âmbito dessa equipa que formaram e o que distinguiu de, até de momento anterior, num certo aspecto, é que passa ... trocavam impressões e, nomeadamente, era comunicado a orientação do Ministério Público, eu peço que nos ... transmita acerca deste particular aspecto, o que é que... que impressões trocaram e porque é que foi decidido neste sentido?  

Procurador - Sr.ª Doutora, eu obviamente, que me oponho a esta pergunta. Agora, vai-se querer saber o depoimento indirecto, o que é que os Srs. Procuradores disseram à Sr.ª Doutora sobre as razões de ser de despachos que estão no processo.  

 

O que se denota ao logo do depoimento de todos os elementos da brigada em exclusividade na investigação deste processo e que foram ouvidos em julgamento é que toda a razão de ser de diligências e actos investigatórios era da responsabilidade do Ministério Publico, na pessoa do Procurador da Republica João Guerra. Percebe-se agora melhor porque é que não convinha que ele ou as procuradoras fossem ouvidas em julgamento. Teriam que em Tribunal o porquê das repetidas falhas e hiatos na investigação e no próprio processo.

Envolta em mistério, a investigação foi comandada pelo Procurador da Republica João Guerra que, aparentemente, raras  vezes comunicava sequer com os membros da brigada de investigação deste processo, a não ser Rosa Mota e Dias André.

 

Advogado  - Sim. E diga-me uma coisa, sabe quem é que ocupava portanto a chefia da investigação por parte do Ministério Público? 

Fernando Baptista - O Dr. João Guerra. 

Advogado - O Dr. João Guerra. Diga-me uma coisa, teve algum contacto pessoal, reportou alguma vez ou prestou informações ao Dr. João Guerra ou foi sempre pela via hierárquica? 

Fernando Baptista - Directamente com o Dr. João Guerra não. Recordo-me que durante a fase de inquérito tivemos 2 reuniões a equipa toda com o Ministério Público. 

(...)

Advogado - Muito bem, então diga-me uma coisa. Admitindo que efectivamente a cadeia hierárquica mudou, não quer dizer que tenha sido aumentada, mudou, o Senhor alguma vez na cadeia hierárquica foi chamado para prestar esclarecimentos, informações, etc., ao Procurador Dr. João Guerra? 

Vítor Pita - Que eu tenha memória não. Ser chamado directamente ... 

Advogado - Directamente claro. 

Vítor Pita - ... isoladamente não. Que eu tenha memória não. 

Advogado - Não, não tem memória disso? 

Vítor Pita - Não. 

Advogado - Muito bem. Mas por exemplo sabia ou não que os seus superiores hierárquicos imediatos, Inspector Dias André e a Sr.ª Dr.ª Rosa Mota reportavam ao Procurador João Guerra. Sabia ou não? 

Vítor Pita - Eu julgo que sim que sabia. 

 

Assim, uma vez que nada quis explicar ou responder em Tribunal divulgo o pouco que sei sobre o Procurador João Guerra, responsável máximo da maior e mais pública investigação de sempre em Portugal. Resume-se quase tudo ao que li na comunicação social:

 

Reparou na caixa de texto em que o artigo dá conta que Pedro Strecht é o pedo-psiquiatra dos filhos de João Guerra? Isto nunca foi aprofundado. A mim parece-me um facto, no mínimo, curioso, digno de registo.

João Guerra voltaria a ser noticia no Correio da Manhã por mais duas vezes:

- No dia 17 de Julho de 2009: "Pais vendem filhos a pedofilo" cujo sub-titulo era "Pedófilo deixado à solta por João Guerra, que acusou Carlos Cruz"

- No dia 30 de Março de 2011: "Cirurgião abusa de 20 doentes" cujo texto referia "E a 2ª secção do DIAP, que é coordenada pelo procurador João Guerra - que acusou Carlos Cruz e restantes arguidos do caso Casa Pia -, mantém o predador sexual à solta. "

Relembro a famosa frase do ex-Procurador Geral da Republica Souto Moura: "não é a mesma coisa prender o Carlos Cruz ou o Farfalha."