Processual > Interrogatórios

Baseando-se nas acusações de Costa Macedo, o que a Brigada de Investigação fez foi espalhar as sementes das alegações. Voltando outra, mais outra e ainda outra vez a interrogar jovens que, tal como os agentes reconhecem, tinham relutância em produzir alegações, fizeram objectivamente pressão para que eles construíssem narrativas de abusos, coerentes com o que se estava a passar na comunicação social.

 

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes (Inspectora Coordenadora)

Porque aquilo que constatámos foi que não era numa primeira, e nem muitas vezes numa segunda, nem numa terceira, nem numa quarta inquirição que a pessoa dizia aquilo que tinha para dizer. Nem dizia tudo. Ficava no ar. E às vezes dito por ela, eu sei mais umas coisas, mas agora não me lembro muito bem. Mas estou cansado. O cansado é uma coisa evidente numa situação destas também. A resistência do, dos ofendidos é variável. É variável não só de acordo com a personalidade de cada um deles, mas também de acordo com o dia em que estavam. Nós estamos a falar de, de ofendidos que devido a esta situação toda, passavam por oscilações em termos comportamentais, e em termos psicológicos. Havia dias em que quase não se conseguia falar com eles. Porque eles diziam eu hoje não consigo pensar. O que é perfeitamente normal neste tipo de casos. E aí nós sentíamos a necessidade de complementar. E de levar até ao limite do possível o conhecimento do que se tinha passado.

 (...)

 Advogada-Sr. ª Doutora, a minha pergunta era, havia uma pressão dos inspectores, uma pressão forte, pressão forte ...

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes-Havia uma tentativa forte de que eles revelassem tudo aquilo que sabiam.

(...)

Advogada-... noutros casos, quantas vezes é que cada ofendido é ouvido?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes-Depende. As vezes necessárias.

Advogada-Sim. Em média Sr.ª Doutora?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes-Em média. Sr.ª Doutora, as vezes necessárias, isto não tem um padrão. Isto, aquilo que aconteceu neste processo, não é exemplo. Porque nós não estávamos a falar e a maior parte dos processos acorrem, ocorrem com pessoas individualizadas, vítimas individuais, e que não estão dentro de uma instituição, que não estão com esta abrangência toda, e que não foram alvo de tudo aquilo que se passou, ou à volta deste caso. Portanto, isso é relativo.

Advogada~-Sim, mas ...

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes-Muito relativo.

Advogada-... mas haverá regras, que eu não sei ...

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes-Não há regras. São as vezes necessárias.

Advogada-As vezes necessárias.

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes-As vezes necessárias.

Advogada-De acordo. Mas ...

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes-Muitas vezes os, os miúdos ...

Advogada-Lembra-se de algum caso?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes-... chegam lá, não falam de todo, não querem falar. Voltam lá e voltam, e voltam e vários foram os casos que tivemos assim noutros processos.

 

Denota-se também ao longo dos depoimentos dos agentes da Policia Judiciária que os assistentes além de terem sido ouvidos múltiplas vezes até falarem, também foram longamente ouvidos na Polícia Judiciária - facto por si só reprovado por todos os manuais de interrogatórios a vitimas de abuso sexual - sem enquadramento ou apoio de psicólogo ou psiquiatra, em termos que também não respeitaram os procedimentos adequados à inquirição de jovens abusados, como aliás reconhecem os próprios agentes envolvidos na fase de investigação.

Advogado -Certo. O que o Sr. Inspector diz é que provavelmente o máximo que pode acontecer é terem-se cruzado. Isto é, é inquirições longas. São inquirições que às vezes eles passavam lá o dia inteiro. Iam almoçar.  

António José Dias André (Inspector Chefe)-O dia inteiro não, mas grande parte do dia é possível.  

Advogado -Grande parte do dia, várias horas?  

António José Dias André -Várias horas sim.  

Advogado -Portanto é natural que fossem ao café, no meio?  

António José Dias André-Sim, sim. Pagava um bolo e um sumo. E isso era frequente.  

Advogado -Eram inquirições longas ...  

António José Dias André  -Sim.  

Advogado -Portanto era possível que eles se tenham cruzado. É isso?  

António José Dias André -Poderão ter-se visto. Isso admito, agora o resto não sei.  

Advogado -Sr. Inspector estamos aqui, eram inquirições que algumas delas demoravam grande parte do dia.  

António José Dias André -Sim, sim. Sim, sim.  

Advogado  - Confirma isso?  

António José Dias André -Sim, sim.  

A falta de procedimentos, o número de vezes que as testemunhas foram ouvidas, a duração dos interrogatórios e as pressões para que falassem, conjugadas com a falta de experiência e com a falta de independência critica dos elementos da Brigada da Policia Judiciaria fez com que tudo o que era transmitido nos autos de inquirição não fosse objecto de qualquer tipo de validação mesmo tratando-se do mais absurdo dos nomes ou episódio:

Juiz Presidente -Um esclarecimento Sr.ª Inspectora, na sequência de uma resposta que deu, quando ouviu as testemunhas no gabinete da Polícia Judiciária, alguma vez deixou de escrever, portanto, de apor no auto, algum nome que lhe tivesse sido referido, por não acreditar ou por achar que era pouco provável, que tivesse sido referido como abusador?  

Rita Margarida Ranha dos Santos (Inspectora)-Não.  

Juiz Presidente -Nunca fez isso?  

Rita Margarida Ranha dos Santos -Não.  

Juiz Presidente -E alguma vez aconteceu, antes de escrever algum nome que lhe tivesse sido referido como abusador, ter ido falar com o seu coordenador ou com o inspector chefe para saber se devia escrever ou não?  

Rita Margarida Ranha dos Santos -Não.  

Juiz Presidente -Nunca aconteceu?  

Rita Margarida Ranha dos Santos -Nunca.  

(...)

Juiz Presidente  -Então, uma pergunta. Tudo o que foi dito, foi escrito ou não? Ou os senhores seleccionaram alguma coisa? 

Advogada -Era a outra pergunta.  

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes -Não, Sr.ª Doutora, não tirámos nada que ... daquilo que nos foi dito, é evidente que às vezes, para conseguirem centrar e ... explicar uma ideia ou uma situação e estamos a falar de jovens que têm e tinham a mente, alguns deles, bastante desorganizada, isso implicava uma conversa de algum tempo com ele, no final, refazia-se aquilo que ele tinha dito, mas o refazer do ... contextualizar aquilo que ele tinha dito, dizíamos, diz lá então, o que é que se passou objectivamente.  

 

A perspectiva das indemnizações também parece ter sido um factor crucial para a inquinação da prova, uma vez que logo que eram abordados durante a investigação, os assistentes teriam de assinar uma declaração que confirmava o seu direito a uma indemnização.

Em parte por causa disto, e em parte porque muitos dos assistentes em questão eram adultos vulneráveis, alguns dos quais toxicodependentes, foram rapidamente obtidas as tão desejadas falsas alegações.

É que não esqueçamos que toda a prova conseguida pela investigação se apoia essencialmente nas declarações deste grupo de 7 jovens adultos:

Advogada -Pronto. Para além disso, alguma, algum ... outro elemento de prova que lhe permitisse estabelecer a conexão dele com qualquer dos restantes arguidos ou com essas ... com, com as testemunhas assistentes, ditas vítimas?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes -Sr.ª Doutora, resultam, basicamente, das declarações das diversas e numerosas pessoas que foram ouvidas nos autos, só isso.

Advogada -Está bem.

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes -Que eu me recordo neste momento, era fundamentalmente isso.

 

Mas por quem eram ouvidos as testemunhas? Quantos agentes estariam presentes nas suas inquirições?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes -Com certeza ... a presidência dos autos, só é obrigatória quando a pessoa que está a tomar as declarações é inspector estagiário, porque como inspector estagiário não tem competência própria, tem que ter alguém que o acompanhe para ter competência para a realização dum acto processual, qualquer um dos inspectores da polícia judiciária, neste momento e de acordo com a lei, tem competência própria para realizar por si só qualquer acto processual, a questão das presidências que foi uma constante, não será a totalidade, mas a quase totalidade dos actos realizados têm a ver com um grau de segurança que nós queríamos transmitir ao processo ... para que não fosse só uma pessoa, só um inspector a ouvir e a confirmar as declarações que estavam a ser prestada, quer isto dizer que embora, como é óbvio, não tenho o dom da ubiquidade ...

(...)

Procurador -... porque é que isto aconteceu, se a Sr.ª Doutora sabe porque é que isto, porque é que consta que a entidade que preside é uma entidade que manifestamente não podia estar nestes dois sítios a esta hora?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes -Eu posso tentar aventar uma hipótese, como é óbvio não é possível estar nesses locais tão díspares a horas tão aproximadas, nós demos orientações concretas aos inspectores que trabalhavam connosco, e as orientações concretas era de que neste inquérito nós íamos ... íamos fazer a presidência dos actos, a presidência das inquirições, admito que ... eles tenham levado isso a um extremo e na, no decorrer do inquérito, e o volume de informação que chegava era muito, confesso que deveria ter verificado esse tipo de situação e não o fiz.

Procurador -Muito obrigado ... Sr.ª Doutora, sim, portanto, estes autos estão assinados realmente pelo senhor inspector Dias André, o que obviamente quer dizer que foram assinados à posteriori, mas ... não havia o cuidado de verificar se realmente estiveram, se não estiveram, se houve alguma ...?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes -Ó Sr. Doutor, durante a fase ...

Procurador -... Sr.ª Doutora ou então foi uma falha?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes -... durante a fase da investigação as coisas decorriam todas a uma velocidade completamente alucinante ... o número de pessoas que tínhamos afectos à investigação era extremamente reduzido para o número de diligências que tínhamos de fazer ... o que quer dizer que era um acréscimo de exigência funcional para todos nós o que levou necessariamente a falhas deste género.

Procurador -Eu compreendo, portanto, havia uma falha?

Rosa Maria Mota Teixeira Mendes -Eu não verificava, efectivamente, isso, deveria fazê-lo, fá-lo-ia numa situação normal, não foi de todo uma situação normal.

(...)

Advogada -Uma última pergunta. Durante as inquirições as chefias, as entidades que presidiam ou seja, a Dr.ª Rosa Mota e o Dr. Dias André, entravam na sala onde estavam a ser inquiridas as testemunhas? Sugeriam alguma pergunta? Ou como é que funcionava?  

Valter Leonardo Fernandes Pereira da Silva Lucas (Inspector) -É assim, em situações em que eu tivesse a inquirir testemunhas, não me recordo de ter acontecido isso. Não me recordo de ter acontecido.  

(...)

Procurador  -Obrigado Sr.ª Doutora. Sr. Inspector dizíamos nós, estávamos a falar sobre a forma como se processavam a tomada de declarações às testemunhas. O Sr. Inspector já disse que o auto não era fechado sem primeiro ser verificado ou pela Sr.ª Dr.ª Rosa Mota ou pelo Sr. Inspector Chefe Dias André. Quando faziam ... o Sr. Inspector, no seu caso concreto, quando estavam a fazer a inquirição, o Sr. Inspector Dias André, a Sr.ª Dr.ª Rosa Mota costumavam entrar e sair?  

José Alcino Álvaro Rodrigues (Inspector) -Podia ter acontecido uma vez ou duas, no máximo durante uma inquirição. Não era habitual portanto.  

 

Assim, denota-se que a responsabilidade das inquirições, o sucesso ou insucesso da mesma, dependia do inspector apontado por Dias André para ouvir determinada testemunha:

Advogada -Pronto, agora eu gostava ... imaginemos no dia 1 chegam 5 ou 6 de acordo com o que nos diz ... como é que era feita a distribuição, nesse dia era aleatória, a Sr.ª Inspectora decidia vou ouvir o aluno A, o seu colega o aluno B, ou o Sr. Inspector Dias André é que distribuía este aluno pelo Inspector tal ... 

Cristina Maria Pinto Correia (Inspectora)-Sim. 

Advogada -... e assim sucessivamente? 

Cristina Maria Pinto Correia -Era, era como a Sr.ª Doutora disse agora. Ele dizia tu ouves ... 

Advogada -Quem é que ouvia quem. 

Cristina Maria Pinto Correia -... tu ouves o Pedro, tu ouves o João, tu ouves o Manuel, pronto, ele decidia assim.