Processual > 1982- Uma História... que todos desmentem

Fernanda Teresa e Jaime Pimenta, ambos com 14 anos, eram namorados e certo dia, a 2 de Março de 1982, resolveram fugir da Casa Pia, onde viviam institucionalizados.

Não tinham dinheiro nem local para onde ir. Por sugestão de Fernanda Teresa, que ouvira o namorado falar do acesso que tinha à casa de um tal "tio Jorge", decidiram ir dormir à residência de Cascais do diplomata Jorge Ritto, que mantinha com Jaime Pimenta um relacionamento de natureza sexual.

Aquando da fuga de Fernanda Teresa e Jaime Pimenta, o alarme foi dado ao final da tarde, na secção feminina do colégio Nuno Álvares da Casa Pia de Lisboa, onde Fernanda Teresa residia.

A responsável, Isabel Evangelista, pôs-se logo em campo para encontrar a pupila e, após porfiadas diligências, com a ajuda dos alunos José Carlos e de Orlando Pereira, conseguiu localizar e resgatar o casal de namorados, que nessa mesma noite regressou à Casa Pia.

Dos elementos documentais existentes apenas permitem concluir que, à época, um aluno terá dito que Carlos Cruz frequentava a casa de Jorge Ritto.

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Pode razoavelmente depreender-se dos elementos expostos que a fonte da informação terá sido José Carlos, que terá ouvido dizer a Jaime Pimenta que, numa das suas deslocações a casa do diplomata Jorge Ritto, teria roubado Carlos Cruz.

Importava esclarecer com José Carlos o contexto em que ele teria ouvido a referência ao roubo de Carlos Cruz em casa de Jorge Ritto, que o teria levado a concluir que Carlos Cruz frequentaria a casa de Jorge Ritto, o que terá sido determinante para a inclusão da frase "assassina" incluída no relatório de 1982, que disso se faz eco.

José Carlos Santos foi alvo de uma impiedosa perseguição jornalística, desde que, poucos dias após o eclodir do alvoroço do processo Casa Pia, o jornal "24 Horas" anunciava declarações suas do seguinte teor: "Errei. Não tive noção do que estava a dizer e se o prejudiquei foi sem querer. Foi uma garotice e a verdade é que nunca o vi. Falei por ouvir falar (...)"

O jornal assumia ainda um seu pedido de desculpas a Carlos Cruz, a casa de quem, de resto, se deslocou. Outros jornalistas tentaram obter de José Carlos Santos um desmentido e, sobretudo, a reposição de uma outra versão que incriminasse Carlos Cruz.

Em suma, ficou esclarecido em tribunal, pelas declarações directas dos intervenientes, Jaime Pimenta (no inquérito, mas lidas em audiência de julgamento) e José Carlos Santos (em audiência de julgamento), a razão de ser da circunstância de José Carlos Santos, por equívoco assente numa "mentirola" do colega, ter referido que Carlos Cruz frequentava a casa de Jorge Ritto, onde por ele teria sido roubado.

Sublinhe-se que mais nenhuma outra razão concreta - para além das declarações de José Carlos Santos, agora esclarecidas - foi apurada para que o nome de Carlos Cruz tivesse sido incluído no relatório de 9 de Março de 1982 (relatório da Directora).

***

Fernanda Teresa, a namorada que fugira com Jaime Pimenta e que, logo após o eclodir do processo Casa Pia, "chocara" o país com entrevistas a vários órgãos de comunicação social (jornais e televisão) onde relatou o episódio da fuga, disse por diversas vezes, que vira Carlos Cruz nas fotografias.

Este relato, teve uma enorme influência nos acontecimentos que se seguiram, até porque se cruzava com as declarações  de Teresa Costa Macedo, que iam no mesmo sentido.

Ouvida em audiência de julgamento a 15 de Março de 2006, Fernanda Teresa Correia acabou por confessar que lhe tinham oferecido dinheiro para que silenciasse o nome de quem efectivamente dela tinha abusado e acusar Carlos Cruz:

Dr. R. Sá Fernandes - ... por que é que para além de ter dito tudo o que disse, porque é que não disse eu fui abusada por fulano, beltrano e sicrano? Porque esses é que foram as pessoas que lhe fizeram mal. Porquê?

Fernanda Teresa - Se eu responder a essa pergunta queria saber se ... o meu receio é, eu poderia responder a essa pergunta sem problema nenhum mas, para isso teria que ir buscar outros factos e isso seria necessário talvez que me voltassem a chamar aqui para novamente para depor e não queria também implicar outras pessoas que estiveram também a meu lado durante um certo período, na altura vim às escondidas para cá, para Lisboa. E estava a pensar por, prontos, por ... passei por várias fases compreende? E naquela não era mais, não era mais boa. Era a minha maneira de prontos, digamos que tomei uma decisão naquela altura para o lado que não estava certo, compreende? Quando cheguei a Lisboa estava com outras ideias, de ir ter com essas pessoas em questão e houve um colega meu, um colega prontos, que entrou em contacto comigo por vias dessa, prontos, dum, dum personagem. (...)

Juiz Presidente - Porque é que nunca disse? Porque é que nunca identificou, nunca deu um rosto às pessoas que lhe fizeram mal?  É isso que o Sr. Doutor está a perguntar.

Fernanda Teresa - Porque fui avisada. Que se tentasse ir mais longe demais que ... que sairia deste país com os pés para a frente.

Dr. R. Sá Fernandes - E foi avisada por quem?

Fernanda Teresa - O meu tal colega que estava em relação com a pessoa em questão ... ofereceram-me, ofereceram-me dinheiro, para ser sincera no início aceitei.

Dr. R. Sá Fernandes - Aceitou?

Fernanda Teresa - Aceitei, mas depois arrependi-me porque eles depois entretanto queriam outras, começaram a ser muito exigentes. Teria que aceitar certas condições. E recusei-me no mesmo dia, recusei-me a fazê-lo. E entreguei o dinheiro a esse tal colega.

Dr. R. Sá Fernandes - Devolveu o dinheiro, foi?

Fernanda Teresa - Devolvi o dinheiro, sim. Dei-me conta que era uma loucura aquilo que estava a fazer que estava a ir contra os meus próprios princípios, compreende?

(...)

Dr. R. Sá Fernandes - Sr.ª D. Teresa, eu não quero mexer muito nessa ferida que compreendo que existe para si e acho que fez muito bem ter devolvido o dinheiro e compreendo muito bem que tenha tido essa hesitação. Diga-me só uma coisa. Quiseram-lhe impor certas condições. Que tipo de condições?

Fernanda Teresa - Não queriam que eu fosse, que eu fosse depor em primeiro lugar e em segundo lugar, uma coisa que eu não, prontos, queriam que eu, que eu acusasse o seu cliente de me ter, prontos, de ter abusado da minha pessoa e isso não é verdade. Eram essas condições e sair do país igualmente.

Dr. R. Sá Fernandes - Portanto, queriam que a Sr.ª D. Teresa acusasse o Sr. Cruz de ter abusado. E a Senhora ...

Fernanda Teresa - Que me concentrasse unicamente nessa acusação. Foi o que o meu ... prontos, foi o que o meu colega disse.

(...)

Dr. R. Sá Fernandes - D. Teresa eu tenho que lhe perguntar. Quem foi a pessoa, quem foi o seu colega que lhe deu o dinheiro e quem foi a pessoa que deu o dinheiro a esse seu colega. Faça isso pela sua própria dignidade também, D. Teresa.

Fernanda Teresa - Peço desculpa. Eu não posso responder a essa pergunta. Mesmo que tenha que pagar as consequências, não posso fazer isso.

Juiz Presidente - Porquê Sr.ª D. Fernanda Teresa?

Fernanda Teresa - Porque é uma pessoa como ... é uma pessoa muito bem vista neste país. É uma pessoa com muito poder. É uma pessoa intocável. Não posso fazer isso. Cheguei-me a encontrar uma altura com essa pessoa em questão.

 ***

Maria Isabel Evangelista, a responsável da secção feminina do colégio Nuno Álvares e quem comandou a operação de resgate dos dois namorados. Está reformada e foi ouvida a 17 de Janeiro de 2008.

A educadora que foi a única educadora a entrar em casa do embaixador para ir buscar o rapaz e a rapariga desaparecidos também descreveu as pressões pelas quais se pretendia que ela dissesse que Carlos Cruz estava nas fotografias:

Dr. R. Sá Fernandes - ... Eu agora queria-lhe perguntar se ao longo destes 5 anos em que isto já veio nos jornais, se a Senhora alguma vez foi abordada por pessoas, sejam elas quais forem, para pressionarem ... Agora diga isto, diga aquilo ... diga que viu lá fotografias do Carlos Cruz, diga que não viu, diga que não soube de nada ...

Maria Isabel Evangelista Mendes - ... infelizmente sim.

Dr. R. Sá Fernandes - Então e diga lá quem é que ...

Maria Isabel Evangelista Mendes - Principalmente ao telefone e foram lá a casa, eu limitei-me na televisão a dizer aquilo que apenas estava no meu relatório.

Dr. R. Sá Fernandes - E quem é que foram essas pessoas que fizeram essas ...

Maria Isabel Evangelista Mendes - Pelo telefone, não me diziam quem era, pelo telefone. E houve uma Senhora até que uma vez me telefonou e eu, ainda feita parva talvez, não lhe desliguei o telefone. Que ela dizia se não disser que viu as fotografias e se não disser não sei quê,  eu tenho provas e vou prendê-la ... uma série de disparates. Eu tenho um bocadinho, felizmente que o médico, estou medicada e não tenho tido problemas, mas ... que vem de longe um bocadinho de epilepsia. E nessa noite passei tão mal, fui parar ao hospital.

 (...)

Dr. R. Sá Fernandes - Essa Senhora que lhe disse, se a Senhora não disser que viu as fotografias eu tenho provas, eu vou prendê-la, não sabe quem foi?

Maria Isabel Evangelista Mendes - Não, não. Era pelo telefone e eu acabei por desligar o telefone. Acabei por lhe desligar o telefone. Eu disse assim: - Então vá lá fazer queixas de mim e deixe-me da mão.

  ***

Francisco Góis Faria que fora educador da Casa Pia, vinte anos atrás e durante pouco tempo, havia acompanhado Maria Isabel Evangelista a casa do embaixador Jorge Ritto para resgatar o casal de alunos. Ficou fora do prédio sem nunca ter entrado no apartamento em questão.

Acerca das fotografias, começou por dizer que tinha a impressão de que tinham sido recolhidas fotografias e de que ele próprio as tinha estado a folhear, mas depois afirmava que não era capaz de jurar que as tinha visto:

No reboliço que se seguiu ao desabrochar do processo da Casa Pia, toda a gente fala de fotografias que não viu, alguns dos quais até julgando que viu. Teresa Costa Macedo fizera o país acreditar que tinham sido recolhidas fotografias da casa do embaixador Jorge Ritto, nas quais pessoas famosas se exibiam sexualmente.

Também ele se recordava da insistência dos jornalistas para que ele revelasse o que sabia acerca das fotografias:

Dr. R. Sá Fernandes - O Sr. Engenheiro foi contactado depois deste escândalo ter rebentado por jornalistas que procuraram saber o que é que o Senhor sabia disto e se tinha ... ou não teria visto fotografias?

Francisco Góis Faria - Portanto, os jornalistas contactaram-me com muita insistência, agora a segunda parte da pergunta, é se me falavam em fotografias? Era isto a segunda parte?

Dr. R. Sá Fernandes - Sim, sim.

Francisco Góis Faria - Portanto, fui abordado por jornalistas, agora a segunda parte da pergunta está-me ... está-me a perguntar se eles queriam ... perguntavam-me se havia fotografias, é isso?

Dr. R. Sá Fernandes - Sim.

Francisco Góis Faria - É. Portanto, eu tenho a ideia que sim, pois realmente perguntavam-me se eu tinha conhecimento e eu de facto já na altura, assim como agora tinha, já na altura tinha a noção que havia fotografias à mistura, já na altura disse que não conseguia precisar ninguém nas fotografias nem tinha certezas se tinha visto ou não, agora tenho a ideia que realmente vi alguma coisa, mas de facto não sei, não sei.

***

Teresa Costa Macedo tinha guardado os relatórios dos educadores de 1982, já referidos, e sabia que neles, pelo menos, estavam mencionados os nomes de Jorge Ritto e Carlos Cruz. Logo informou disso a jornalista, mas acrescentou que ainda tinha um terceiro relatório, com os nomes de muitos outros envolvidos: políticos, diplomatas e gente da comunicação social. E apimentou ainda mais a revelação, quando falou que tinham sido apreendidas fotografias em casa do embaixador, que ela própria teria visto e onde estariam retratadas pessoas famosas. Como Carlos Cruz.

As testemunhas que poderiam corroborar a versão de Teresa Costa Macedo, incluindo o seu chefe de gabinete, não confirmaram a sua versão e até a desmentiram. O manuscrito exibido por Felícia Cabrita é praticamente certo que é da autoria da antiga Secretária de Estado, como uma perícia forense atestou, na sequência de queixa crime que a jornalista lhe moveu.

Teresa Costa Macedo foi condenada.

 

 

O Bilhete

Tudo o mais - relatórios de 1982 da Casa Pia, relatório da Polícia Judiciária, despacho de arquivamento, depoimentos das educadoras e dos jovens envolvidos, bem como da inspectora e da magistrada do Ministério Público a quem os processos foram confiados - a desmente.

RTP sob ataque cerrado e mais um desmentido

Outro protagonista à volta da história de 1982 é António Monteiro Garcia que estava preso quando o processo Casa Pia eclodiu. Ele não fazia parte do grupo dos jovens envolvidos na história de 1982, mas conhecia-os e ouvira falar da fuga de Teresa Correia e Jaime Pimenta.

Era chegado o seu momento. Falou, logo, a Pedro Namora, que falou a Felícia Cabrita.

Os casapianos Pedro Namora e Adelino Granja visitaram-no no estabelecimento prisional. Pedro Namora transmitiu-lhe perguntas que Felícia Cabrita lhe queria fazer.

As suas revelações eram surpreendentes e encaixavam-se na tese da rede pedófila, dando continuidade às declarações de Teresa Costa Macedo.

Confirmava que eu frequentava a Casa de Jorge Ritto, onde me tinha visto a "assistir a bacanais". E de uma assentada envolve na "rede" um ex-presidente da República, Ramalho Eanes, o então Ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, dois jogadores de futebol, Carlos Manuel e Chalana, e outro nome da comunicação social, Fernando Pessa.

As informações prestadas a Pedro Namora e consequentemente a Felícia Cabrita envolviam ainda operadores de câmara da RTP e o abuso de jovens pajens em touradas do Campo Grande e encheram páginas de jornais, com o Correio da Manhã e o Expresso de Felícia Cabrita à cabeça.

A primeira referência encontrada com base em declarações suas pode ler-se logo dia 7 de Dezembro de 2002 num artigo de Felícia Cabrita, no Jornal Expresso, que, logo no titulo, afirmava: "Polícia com novas pistas". Felícia Cabrita identifica a fonte como A. e/ou António dizendo que este fazia parte do grupo de crianças da Casa Pia que deram origem, no início dos anos 80, ao processo envolvendo o embaixador Jorge Ritto.

No dia 6 de Setembro de 2003, Felícia Cabrita, volta a escrever no Expresso. Agora um artigo intitulado "Casa Pia chega à RTP". Este artigo dizia que a rede de pedofilia da Casa Pia teve, durante décadas, um núcleo activo na RTP. Realizadores, operadores de câmara, locutores e outros profissionais mantinham contactos sexuais com menores da Casa Pia.

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No dia seguinte, o Correio da Manhã rematava "Pedofilia: Pedro Namora já informou o DIAP. RITTO USAVA OPERADORES DE CÂMARA DA RTP".  Segundo Pedro Namora, Jorge Ritto utilizava operadores de câmara da RTP nas filmagens de actos pedófilos com alunos da Casa Pia".

Ainda segundo Pedro Namora, nas décadas de 70 e 80, os alegados pedófilos prometiam aos jovens casapianos - com idades entre os 7/8 e 12/13 anos - que se participassem nos filmes, seriam "famosos". "Diziam-lhes que iriam sair na capa das revistas", observou, sublinhando que além da casa de Jorge Ritto, houve antigos alunos que asseguraram ter participado em filmagens em apartamentos de Lisboa, Campo Pequeno, e Azeitão.

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Dia 9 de Setembro, o Jornal de Noticias avançava "Denúncias de pedofilia lançam confusão na RTP" numa reacção à notícia avançada pelo semanário "Expresso" dando conta de uma alegada existência no canal público de uma rede com ligações ao escândalo de pedofilia na Casa Pia. "Ontem, o Conselho de Administração da RTP decidiu abrir um "inquérito interno para apuramento de factos" e colocou-se à disposição do procurador João Guerra."

Dia 19 de Setembro de 2003, o Correio da Manhã, voltava à carga: "Pedofilia preocupa Tauromaquia. Pedro Namora confirma que o Campo Pequeno era palco de recrutamento de menores para práticas pedófilas." "Alguns ex-alunos da Casa Pia disseram-me que logo após as touradas eram distribuídos por diversas casas onde faziam sexo ao mesmo tempo que eram filmados", afirmou Namora ao CM no início desta investigação jornalística. Ao que tudo indica estas cenas eram filmadas com material e técnicos ligados à RTP.

Quatro meses volvidos, dia 20 de Janeiro de 2004, o jornal 24 Horas, entretanto extinto, noticiava que "MINISTÉRIO PÚBLICO ARQUIVOU NOTÍCIA DO "EXPRESSO - Suspeitas de pedofilia na RTP deram "buraco""

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O Ministério Público arquivou o processo de inquérito levantado junto da RTP na sequência de uma notícia do semanário "Expresso", segundo a qual haveria uma rede na estação pública "com ligações à pedofilia". De acordo com o "Jornal de Notícias", o Ministério Público "ouviu dezenas de pessoas" ,a propósito desta denúncia, "mas nada foi apurado".

Baseada no depoimento recolhido por Pedro Namora, a jornalista Felícia Cabrita deu às autoridades uma lista com 13 nomes de supostos pedófilos.

A mulher que assinou no Expresso e na SIC a reportagem que deu origem ao escândalo de pedofilia da Casa Pia foi interrogada pela procuradora do Ministério Público Paula Soares, no dia 16 de Janeiro de 2003. Duas semanas antes da minha detenção.

O meu nome, o do médico João Ferreira Diniz e o do embaixador Jorge Ritto foram referidos nesse interrogatório, tal como os nomes dos ex-futebolistas Chalana e Carlos Manuel. A estes cinco nomes, juntam-se outros sete: Fernando Pessa, Lawndes Marques, os Drs. Leonardo Matias, André Gonçalves Pereira, António Monteiro, Brito e Cunha e João Quintela. Refere ainda um ministro do tempo da presidência de Ramalho Eanes, o Presidente da Câmara de Oeiras ou Cascais, o embaixador Francês em Lisboa, dois diplomatas negros e vários operadores de câmara da RTP.

Dez destes 12 nomes estão na lista das 127 fotografias mostradas pela Polícia Judiciária no álbum de suspeitos às vítimas de abusos sexuais.

Felícia no depoimento em causa, refere ainda os nomes de seis funcionários da Casa Pia, que alegadamente teriam conhecimento e seriam também eles abusadores. Talvez por não serem figuras proeminentes da nossa sociedade nenhum deles aparece no referido álbum da Investigação.

Quando António Garcia depôs em audiência de julgamento, a 4 de Maio de 2006, a expectativa era imensa.

Todavia, António Garcia já não estava preso. Não precisava de continuar a mentir e teve, enfim, a lucidez de perceber que não tinha o direito de contribuir, com puras falsidades, para a condenação dos homens que se sentavam atrás de si.

Procurador - Portanto, na altura em que esteve na Casa Pia, não esteve em casa de nenhum destes Senhores?

António Monteiro Garcia - Não senhor.

Juiz Presidente - Respondeu que não.

Procurador - Na altura em que esteve na Casa Pia não conheceu nenhum destes Senhores?

António Monteiro Garcia - Não.

Procurador - Não? O Senhor disse no entanto que conhecia todos os Arguidos.

António Monteiro Garcia - Conheço.

Procurador - Em que circunstâncias é que os conheceu e quando?

António Monteiro Garcia - Pessoalmente não.

Procurador - Então, conhece-os como?

António Monteiro Garcia - Comunicação social.

Procurador - Sr. Garcia, o que o Senhor está a fazer a mim pessoalmente Ministério Público é quem lhe está a fazer perguntas eu entendo que é uma falta de respeito.

António Monteiro Garcia - Exacto. Não. Desculpe.

Procurador - O Senhor está a brincar com a minha inteligência. Quando eu pergunto a uma pessoa se conhece outra pessoa não é conhece-la através da comunicação social e o Senhor sabe isso. Portanto, ou assume a responsabilidade de não responder ou não brinque com a minha inteligência.

António Monteiro Garcia - É assim, desculpe, mas eu não estou a brincar com ninguém.

Procurador - Está a brincar comigo.

(...)

Procurador - Então o que está ali escrito é verdade?

António Monteiro Garcia - É assim: o que eu disse hoje é verdade.

Procurador  - E o que disse ali, e quando disse que o que disse no inquérito e que acabou de lhe ser lido ...

António Monteiro Garcia - Fui forçado a dizer.

Procurador  - Por quem?

António Monteiro Garcia - Pelas pessoas que me visitaram, Adelino Granja e pelo Pedro Namora.

(...)

Dr. R. Sá Fernandes - Casapianos ambos ... casapianos ambos.

António Monteiro Garcia - Já os conhecia. Já. Então, é assim, como eles ... aliás ele ficou zangado comigo porque eu não quis ...

Dr. R. Sá Fernandes - Qual deles?

António Monteiro Garcia - O Pedro.

Dr. R. Sá Fernandes - O Pedro ... o Pedro Namora.

António Monteiro Garcia - Ficou zangado comigo por eu não querer dar a entrevista ... ou por eu não querer fazer o depoimento ao DIAP.

A testemunha explicou ainda o que ganhara com a notoriedade alcançada, quando, na prisão, "serviu" a acusação:

António Monteiro Garcia - Por acaso eu nem fiz a chamada... a primeira chamada nem foi no destinatário. Porque é assim, eu era faxina da Sr.ª Directora e foi-me facultado uma chamada no gabinete da Sr.ª Directora.

Procurador - Portanto, foi feito do telefone fixo do estabelecimento prisional ...

António Monteiro Garcia - Exactamente.

Procurador - ... de Setúbal?

António Monteiro Garcia - Exactamente.

Procurador -  Do gabinete da Sr.ª Directora?

António Monteiro Garcia - Foi, sim senhor.

Procurador - Pronto. Para esse número ...

António Monteiro Garcia - A Dr.ª Maria do Céu, exactamente. Porque é assim, eu, desde que isto começou, eu depois passei a ser o menino protegido dentro do estabelecimento. É verdade. Tem que se dizer.

Procurador - Pronto. Espero bem, Sr. Garcia. Desejo.

António Monteiro Garcia - Foi verdade.

Procurador - Sim senhor.

António Monteiro Garcia - Passei a ser o menino protegido. Aliás ... pronto ... eu já era um bocadinho por causa da subdirectora ser minha vizinha, mas depois passei a ser mais um bocadinho. E, então, tinha outras regalias que certas pessoas não tinham. 

Durante a visita de Pedro Namora à prisão onde se encontrava detido, António Garcia percebeu certamente que o interesse da conversa só subsistiria, se ele revelasse aquilo que os seus interlocutores estavam à espera e gostariam de ouvir. A fraqueza humana é assim.