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Nota: os temas estão por ordem cronológica

Este pequeno capítulo é apenas uma amostra de como o processo Casa Pia foi influenciado pela Comunicação Social. Foi esta sequência de eventos que me conduziu ao Juiz Rui Teixeira e posteriormente à minha detenção.

Ao longo da história internacional de inúmeros casos de falsos abusos (desde a década de 80 nos EUA) os media tiveram um papel decisivo na criação do chamado "pânico moral" que levou à construção de gigantescos de processos de abusos sexuais, envolvendo centenas de crianças em lares e colégios que acabaram por se revelar apenas fantasias e mentiras de jovens, pais, polícias, Ministério Público, Juízes e... principalmente jornalistas que, publicando e ampliando falsas informações, foram um poderoso meio de pressão sobre o sistema judicial.

Os casos são conhecidos e, no seu livro a publicar em Junho (Casa Pia a Construção de Uma Moderna Caça às Bruxas Europeia), o escritor inglês Richard Webster disseca de forma muito clara este fenómeno,  que acabou por provocar várias vítimas inocentes.

Do que se passou em Portugal, começo hoje a dar conta. O Processo Casa Pia nasceu e cresceu muito por influência dos nossos media: todos os arguidos e vários factos constantes do processo, foram apontados pelas vítimas só depois de referências aos mesmos aparecerem na Comunicação Social.

E assim nasceu o maior monstro jurídico da nossa história contemporânea. 

ELVAS

Finais de Novembro de 2002 -  Joel (Fábio Cruz) tinha dito à mãe que Silvino tinha abusado dele durante um fim-de-semana em que ambos foram a um casamento no Alentejo - Vila Viçosa, chamo a atenção para a primeira referência ao Alentejo - zona de Elvas. Facto amplamente noticiado na SIC.

 

 

LM em Auto de Declarações à PJ a 16 de Janeiro de 2003 - "Lembra-se que certo dia o Bibi lhe perguntou se queria ir passar o fim-de-semana com ele. O depoente aceitou porque ia também o amigo JPL e outros rapazes, mas não sabia para onde iriam ou o que iriam fazer."

Nota: LM, refere tal como Joel um convite para passar um fim-de-semana ao Alentejo, não mais voltaria a repetir tal afirmação. Nos restantes depoimentos à PJ e Juizes assumiu a mesma versão contada pelos restantes colegas iam e vinham no mesmo dia (até hoje indeterminados).

 

TELEFONES

Finais de Novembro/Dezembro de 2002 - Havia como prova, no processo contra Carlos Silvino, a gravação de uma  chamada telefónica, entre Carlos Silvino e "Joel (Fábio Cruz)", que havia sido gravada e posteriormente entregue à Policia pela Jornalista Felícia Cabrita. Facto amplamente noticiado na altura pela SIC.

 

 

Francisco Guerra em Auto de Declarações à PJ a 6 de Janeiro de 2003 - "Cerca de um ano depois de começar a acompanhar o Silvino, este comprou-lhe um telemóvel com o número 917841371. O depoente passou a ser contactado e a contactar os restantes intervenientes através deste telefone."

Nota: O processo Casa Pia contém cerca de 50% das chamadas feitas e recebidas em Portugal naquela altura e nunca nenhuma chamada entre este e outros números de quaisquer "vitimas" e alegados abusadores foi encontrado.

 

BIBI ANGARIADOR, GENTE IMPORTANTE E REDE

25 de Novembro de 2002 - O "Correio da Manhã" noticiava a denúncia Teresa Costa Macedo"Bibi era angariador" e anunciava "escândalo na Casa Pia envolve gente importante".

 

 

Francisco Guerra em Auto de Declarações à PJ a 16 de Dezembro de 2002 -  "Diz que o Carlos Silvino era motorista do provedor da Casa Pia de Lisboa, sendo que era frequente vê-lo a transportá-lo, assim como efectuar o transporte de jovens nos carros e carrinhas da Casa, de e para o exterior das instalações"

JPL em Auto de Declarações à PJ a 20 de Janeiro de 2003 - "Deseja no entanto prestar e acrescentar outros elementos que considera importantes para a presente investigação e que na altura não referiu por "ter vergonha", sobretudo por se falar de pessoas importantes."

Nota: Teresa Costa Macedo prestou estas declarações baseada no caso de 1982 que envolveu o embaixador Jorge Ritto e onde havia uma referência ao meu nome. Não há nem nunca houve qualquer referência nesse processo a Carlos Silvino. Costa Macedo teve um papel essencial na criação do mito Casa Pia, nomeadamente envolvendo Carlos Silvino no processo de 1982 e criando vários chavões: "rede", "gente muito importante", "ricos e poderosos", etc.

  

ARGUIDOS

26 de Novembro de 2002 - A partir do programa "Hora Extra", de 26 de Novembro de 2002, e das entrevistas de Teresa Costa Macedo, eu e Jorge Ritto estávamos expostos no pelourinho nacional por causa do processo de 1982.

No mesmo programa "Hora Extra", pela mão do funcionário da Casa Pia, Amaral Macedo, que mantinha um antigo conflito com Manuel Abrantes, lançou aquele que foi provedor por um dia também na fogueira da Casa Pia.

 

Eu e Jorge Ritto somos logo referenciados nos primeiros depoimentos dos três primeiros jovens. O primeiro depoimento é feito a 16 de Dezembro de 2002 por Francisco Guerra.

Curiosamente nenhum deles referiu Manuel Abrantes, cujo o nome só viria mencionado no segundo depoimento de JPL a 20 de Janeiro de 2003, facto aliás que mereceu a capa do Correio da Manhã dois dias após as suas declarações, ou seja dia 22 de Janeiro de 2003.

Curioso é também o facto de nenhum deles me referir como abusador naqueles primeiros depoimentos, referindo apenas que me teriam visto em determinado local.

Os participantes deste programa, apresentado por Conceição Lino, foram convidados pela Jornalista Felícia Cabrita.

  

CARLOS CRUZ

28 de Novembro de 2002 -Diário de Noticias noticia o meu nome como constando do processo de 1982. Esta foi a primeira referência pública ao meu nome.

 

O nome de Carlos Cruz é referenciado nos primeiros depoimentos dos três jovens. O primeiro depoimento é feito a 16 de Dezembro de 2002 por Francisco Guerra - curiosamente neles, segundo Francisco Guerra e JPL, eu não teria abusado deles, uma vez que os mesmos apenas me teriam visto.

JPL em Auto de Declarações à PJ a 3 de Janeiro de 2003 afirma que me reconheceu como o conhecido apresentador de televisão e como tendo estado presente na casa de Elvas. Diz que não se lembra quem era, pois era um rapaz de outro lar, que disse que "eu tive mais sorte que vocês... eu estive com Carlos Cruz". Mais tarde repete a mesma expressão dizendo que tinha acontecido com ele próprio.

 

REDE DE FAMOSOS E PODEROSOS

28 de Novembro de 2002 - A revista "Visão" trazia em manchete "Os ballets da Casa Pia histórias por dentro do escândalo de pedofilia que abalou o país". No interior, uma entrevista de Pedro Strecht, que teria seguido dezenas de caso de rapazes abusados sexualmente, dizia que a situação era assustadora e que "estas redes envolvem pessoas com muita influência social, política e económica".

 

Ainda antes sequer do primeiro depoimento de Francisco Guerra à Policia Judiciária, a 16 de Dezembro de 2002, já Pedro Strecht, que era seu pedo-psiquiatra há anos (e de outros jovens "vitimas") afirmava que existia uma rede com gente com muita influência social, politica e económica.

 

REDE E MÉDICO PEDIATRA

30 de Novembro de 2002 - O "Expresso" noticiava "Filme revela extensa rede pedófila". Primeira referencia a filmes e ao médico-pediatra.

 

 

JPL em Auto de Declarações à PJ a 3 de Janeiro de 2003 - refere "um homem mais velho que veio a reconhecer nas notícias como o médico pediatra."

JPL em Auto de Declarações à PJ a 20 de Janeiro de 2003 - "e também lá estava aquele que foi referido na comunicação social e que identifica como médico pediatra."

Este senhor, cuja casa ou consultório foi revistado no seguimento da referida peça jornalística, viria a ser conhecido neste processo como o médico-pediatra. Teve inquirição marcada para dia 27 de Janeiro mas a mesma foi cancelada por "falta de expediente". Não mais foi ouvido neste processo.

 

CASA DOS RR's

5 de Dezembro de 2002 - A Visão dá capa a uma reportagem exclusiva sobre a Casa dos Erres, uma vivenda no Restelo que terá servido para orgias sexuais de adultos com menores, e onde terão sido realizados filmes pornográficos com fins comerciais no circuito internacional. Alguns dos menores seriam alunos da Casa Pia.

 

A investigação deste processo foi arquivada pelo próprio Ministério Público, a Casa dos Erres, como ficou conhecida, era afinal um lar de idosos. Sobre este episódio, uma das testemunhas revela que "quando eu fui falar com o Pedro Strecht, ele disse-me que de manhã funcionava assim como lar de idosos, e à tarde era para essas coisas".  Esta afirmação de Pedro Srecht ou é fanática ou louca e perversa. Ou as três coisas!

 

MÉDICOS E ANÁLISES

7 de Dezembro de 2002 - O "Expresso" voltava ao assunto com "Miúdos tratados como frangos de aviário" trazendo insinuações a propósito de comportamentos estranhos do médico "João D.".

 

O médico João Ferreira Diniz é sempre referido em todos os depoimentos destes três jovens, todos posteriores a esta peça jornalistica, bem como o seu carro, um Ferrari vermelho. Ferreira Dinis tinha um Ferrari que dava nas vistas e o seu consultório era ao pé dos pastéis de Belém... e da Casa Pia.

  

HUGO MARÇAL E ELVAS

13 de Dezembro de 2002 - Hugo Marçal, advogado de Elvas, que havia assumido a defesa de Bibi dias antes, aparece no Correio da Manhã, em foto que viria a ser usada para ser reconhecido por uma das vítimas.

Referido nos depoimentos dos três jovens mas sempre como sendo apenas o dono da casa de Elvas.

Francisco Guerra em Auto de Declarações à PJ a 16 de Dezembro 2002, fala de Hugo Marçal, mas apenas como um suposto amigo de Carlos Silvino de Elvas, sem qualquer referência a esquemas de abuso sexual, que ele nesse dia denunciou, noutros locais.

JPL em Auto de Declarações à PJ a 3 de Janeiro de 2003 - identifica Hugo Marçal como sendo o dono de uma casa de Elvas através do recorte desta notícia.

Nota: Até ao dia da minha prisão dia 1 de Fevereiro de 2003, após dois meses de investigação, a PJ esteve sempre convencida que a casa de Elvas pertencia ao Dr. Hugo Marçal.

 

16 de Dezembro - o primeiro depoimento de uma das alegadas vitimas - Francisco Guerra. A investigação havia começado há mais de 20 dias e até essa data procurava vítimas de uma rede de pedofilia de gente importante e poderosa que sabia existir PELA COMUNICAÇÃO SOCIAL!

 

REDE INTERNACIONAL E VIAGENS

3 de Janeiro de 2003 - Pedro Namora diz ao Diário de Notícias que havia uma rede de pedofilia internacional e 'muito complexa' que 'inclui mas extravasa em muito o âmbito da Casa Pia.' Chegou a mencionar que poderiam estar-se a falsificar documentos de identidade, para poder introduzir em Portugal 'dezenas de crianças de outros países', para serem abusadas, o que colocava em risco a segurança nacional'. Ao Correio da Manhã diz "Há uma rede tremenda" o que repete em entrevista à TVI.

  

  

  

Francisco Guerra em Auto de Declarações à PJ a 6 de Janeiro de 2003 - No seu depoimento e apenas 3 dias depois da notícia do Diário de Noticias, Francisco Guerra diz que alguns rapazes da Casa Pia viajaram de avião para o estrangeiro. Nessa altura começou a transportar envelopes com documentos. Iam à Madeira, Espanha e França e para esse efeito falsificavam BI's através encontros no restaurante "2 e 2"; o falsificador era o Dr. Marques da Silva que vivia na Rua Manuel de Campos em Massamá. Sabe a morada porque foi lá duas ou três vezes, durante este "processo", para entregar dinheiro ao Marques Silva.

Nota: Tudo isto se revelou falso, evidentemente. Mesmo com a morada a PJ nunca conseguiu localizar tal advogado de nome Marques Silva!

 

Descubra agora o leitor quantas destas notícias foram confirmadas por factos!

Depois desta "amostra" voltaremos ao assunto com uma cronologia pormenorizada de todos os factos relevantes que se passaram com os testemunhos, com a Comunicação Social e com a Investigação.

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