Comunicação Social > Correio da Manhã Censura Minha Resposta

Esta página deveria ter sido publicada aqui no passado Sábado. Por ter passado o fim-de-semana num local sem acesso à Internet, só hoje me é possível a sua divulgação.

No passado dia 19 deste mês de Novembro de 2010, o popular diário Correio da Manhã veio lembrar aos portugueses que havia um assunto na vida do país mais importante do que a Cimeira da Nato e do que a crise que todo o país atravessa. O assunto que deve preocupar os portugueses é o da minha presença numa pequena peça de teatro da turma da minha filha Mariana, de 8 anos idade, no Colégio Salesianos do Estoril. E assim, preocupado com a possibilidade da minha ida ao Colégio da minha filha poder ser um elemento que prejudica a dívida externa de Portugal, o desemprego, os impostos, o fim dos benefícios fiscais na saúde e na educação e talvez os 10 pontos que afastam o Benfica do Porto, faz uma manchete que finalmente acordou o país para a grave situação que vivemos. Não é a primeira vez, não será a última: o Correio da Manhã tem a patriótica missão de alertar Portugal, regularmente,  para o facto de eu estar vivo. É um serviço público a que um jornal que o escritor inglês Richard Webster compara ao News of the World (simplesmente o pior tablóide do mundo) não pode deixar de prestar. "Alerta Portugueses... Carlos Cruz anda por aí!"

Independentemente  do direito de resposta que eventualmente pedirei, vale  a pena esclarecer detalhes importantes que o Correio da Manhã escondeu. E sublinhar, para quem lê apenas as capas dos jornais (feitas para vender) e não lê depois o que  lá está dentro, as diferenças entre exactamente o produto que o jornal promete e o que, depois de abrir a embalagem, não tem nada a ver com o prometido. É um bocado como comprar tecido a alguns ciganos.

Comecemos pela primeira página:

 

Repare no pequeno subtítulo que infelizmente não consigo tornar mais legível e que está assinalado pela seta e dentro de um rectângulo encarnado feito por mim. Diz o seguinte: "Pais indignados com presença de condenado da Casa Pia em teatro do colégio da filha"

Ora quem lê isto e não compra o jornal fica com a ideia de que terá havido um tumulto de pais por eu ter estado num evento a que assisto há anos sem qualquer incidente ou mesmo constrangimento, quer no Colégio das Salesianas quer agora nos Salesianos, onde já estudou minha filha mais velha.

E se comprar o jornal, por ficar excitado ou muito preocupado com o que vai acontecer ao país com esta "notícia", o que é que encontra? Vejamos então o que vem  no interior:

 

Portanto, "UMA PESSOA tinha-se queixado da minha presença"!

O resto das duas páginas dedicadas ao assunto não é mais do que um revival de várias notícias sobre o Processo Casa Pia, não tendo nada a ver com a fantástica primeira página. Sobre o bombástico título da mesma só publica isto. Jornalismo do melhor.

Perante este "alarme", vários pais de alunos dos Salesianos entraram em contacto comigo manifestando a sua solidariedade. É que isto já não é um ataque à minha pessoa. É uma tentativa de atingir a minha filha. Mas, por ela eu dou a vida. E por isso é preciso esclarecer mais, começando por perguntar: mas afinal, como é que o Correio da Manhã soube?

Já lá iremos. Interessa agora mostrar a troca de e-mails entre a autora do artigo e eu:

Assim, nesse mesmo dia, depois de almoço recebi o seguinte e-mail:

 

Aminha resposta foi clara:

 

Compare agora o leitor a minha resposta com a notícia: a informação mais importante para o público ficar bem esclarecido é que Ana Leal foi fazer queixa à Directora do Ensino Básico (o Correio da Manhã diz na 1ª página:" PAIS INDIGNADOS").

E agora sim: como é que o CM soube? - Houve uma conversa entre Ana Leal e a Directora. Quem disse ao CM? O leitor conclua.

O Correio da Manhã soube que Ana Leal me ameaçou de chamar a polícia se eu voltasse ao Colégio e ocultou esse facto. Não indagou Ana Leal sobre o episódio e não lhe perguntou com que fundamento ela poderia chamar a polícia não sendo ela nem dona, nem directora do Colégio. É apenas a mãe de uma criança que frequenta este ano pela primeira vez os Salesianos.

O Correio da Manhã fez-me uma pergunta, eu respondi. E o Correio da Manhã, no bom estilo salazarista, usou o lápis azul da censura para cortar o mais relevante: a identidade de UMA pessoa (segundo próprio CM) que não gostou de me ver no Colégio da minha filha, a assistir, como em anos anteriores, a uma peça de teatro em que mesma participou e a conviver em diálogo descontraído com outros pais. E que me ameaçou, à frente de testemunhas, de chamar a polícia... Com que argumento? Com que autoridade? À sombra de que lei? Nada. Para o CM isso não interessa

E quem é Ana Leal?

É esta senhora:

 

 

Em primeiro lugar reconheço-lhe o estatuto de mãe, responsável pela educação do seu filho (e com mais responsabilidades por ser mãe divorciada) e que pode sentir-se constrangida com a minha presença, nos Salesianos ou em qualquer outro lugar. Respeito esse seu estatuto.

Mas já não respeito e não aceito que, por razões que um psiquiatra poderá explicar melhor que eu, ela tome uma atitude que sabe que não me atinge a mim (ao fim de 8 anos de tortura de um Processo falso e mentiroso durante o qual resisti a tudo incluindo os seus trabalhos na TVI) mas que só pode atingir a minha filha. E isso fica aqui bem claro!

Em segundo lugar, Ana Leal é uma jornalista da TVI, que pertenceu à equipa de Manuela Moura Guedes e foi uma das responsáveis pela "investigação" do Processo Casa Pia. Ela sabe o que fez. Eu também sei algumas coisas e o resto imagino. Mas por isso mesmo, não me dá lições de nada.

***

Poderia ficar por aqui. Mas apetece-me dizer mais umas palavras:

Sabemos o país que temos, sabemos a Comunicação Social que temos. Vivemos em total liberdade de expressão. Portanto cada um diz o que quer, vê o que quer, lê o que quer. E, felizmente, como diria o chefe dos caçadores que salvaram a avó do Capuchinho Vermelho: "Nem tudo está perdido quando resta uma esperança".

E por isso cito aqui o Director do Jornal de Notícias, José Leite Pereira e uma das mais lúcidas jornalistas portuguesas, Fernanda Câncio, do Diário de Notícias:

 

(...)

O país precisa de um programa para os próximos anos que seja o máximo unificador comum entre partidos, sindicatos e patrões. Um programa sobre o qual seja estabelecido um compromisso para, pelo menos, uns dez anos, independentemente de quem vencesse eleições, independentemente de termos um Governo de maioria, de coligação ou minoritário. Esse, sim, seria um sinal inequívoco para acalmar os mercados. Mas teria, sem dúvida, de sentar à mesa partidos, centrais sindicais e patrões. Não é, infelizmente, uma solução para breve. Mas é bom que haja cada vez mais gente a pensar nisto.

PS - O "Correio da Manhã" dava ontem conta de uma escuta a Edite Estrela em que a deputada europeia dizia o que pensava de muitos dos seus parceiros de partido. Edite Estrela não está acusada de nenhum crime, mas foi escutada numa conversa com Armando Vara, no âmbito da Face Oculta. A utilização de uma escuta num jornal é um procedimento que deve estar rodeado de uma série de cuidados e fundado em princípios de rigorosa excepção, que nunca poderão abranger a vida ou as afirmações de um simples cidadão, desempenhe ele o cargo que desempenhar, casualmente apanhado numa escuta de um arguido. Este jornalismo de sarjeta que o CM vem praticando mancha a profissão. Não me querendo arvorar, nem ao jornal que dirijo, em exemplo, há que dizer que comportamentos destes constituem um crime e vão denegrindo a imagem da profissão, porque se tende a generalizar a crítica. Não há, não pode haver, contemplações com casos destes. Há com certeza um grande interesse de uma significativa parte do público por este desnudar constante da vida privada de quem desempenha cargos públicos. E isso poderá ser bom para a venda de jornais. Mas importa sublinhar que o interesse público é outra coisa.

 

 ***

DN -19.11.2010

Jornalismo totalitário

por FERNANDA CÂNCIO

 

Esta semana, o Correio da Manhã e o DN publicaram peças em que se reproduziam excertos daquilo que era apresentado como uma conversa da eurodeputada socialista Edite Estrela com Armando Vara gravada em Junho de 2009 e cuja transcrição, dizia-se, "está" no processo "Face Oculta".

Os excertos reproduzidos diziam respeito a opiniões da eurodeputada sobre os seus colegas de grupo parlamentar que, porque alegadamente insertas num processo criminal entretanto público, foram consideradas por estes dois jornais como constituindo facto de interesse público e portanto publicável. Os jornais não entenderam, perante o teor da dita conversa, fazer algumas perguntas básicas, como: que está isto a fazer num processo criminal? Que relevância tem para a obtenção de prova? É legal manter esta conversa no processo? Chega para ser legal que a escuta tenha sido, após transcrita, validada por um juiz? Se esta escuta não tem qualquer relevância para o processo em causa, que critério presidiu à sua não destruição?

Não, os jornais não perguntaram nada. Ou por outra, este jornal onde escrevo decidiu perguntar aos "visados" pelas opiniões de Edite Estrela que opinião têm das opiniões dela. Alguns escusaram-se. Mas Ana Gomes, por exemplo, achou a coisa de gargalhada. Sim: à inflamada denunciadora da violação dos direitos humanos em Timor, Guantánamo e aviões da CIA em geral, à mulher que ninguém cala - e bem - a propósito do abuso de força pelos Estados, a escuta sem critério e a reprodução mercantil de conversas privadas em Portugal dá uma louca vontade de rir.

A risota de Ana Gomes é o retrato da bonomia com que a generalidade das pessoas assiste à edificação de um totalitarismo que as devia aterrar. Um totalitarismo que estabelece o sistema judicial como centro do poder - um poder insindicado e insindicável, que recusa qualquer questionamento como "interferência" e "pressão" - e o jornalismo como o seu braço armado, reagindo a qualquer crítica com o anátema da censura; um totalitarismo que transforma dois dos mais preciosos garantes da democracia nos seus carrascos. Como todos os totalitarismos, este afirma-se incidindo primeiro num grupo, para depois alargar o seu âmbito. Quem não faz parte do grupo atacado encolhe o ombros: "Não é comigo"; a banalização da perseguição acaba por a naturalizar: "Eles merecem."

Há quem não se ria: no domingo, José Leite Pereira, director do Jornal de Notícias, referia-se à "notícia" do Correio da Manhã como "jornalismo de sarjeta" e "crime". Segunda- -feira, ao receber o Prémio Gazeta de Jornalismo, o repórter da Visão Miguel Carvalho dizia: "Sei que o jornalista não pode mudar o mundo. Mas continuo a pensar que é nosso dever tentar exercer a profissão como se isso fosse possível. E para isso não basta ser livre. É preciso ter coragem." Coragem, então. Precisamos de muita. Antes que o jornalismo, ou isto que tomou o seu nome, mude mesmo o mundo - e não para melhor.

***

E finalmente, a reprodução, com sua autorização, de um pequeno comentário de José Paulo Fafe (homem muito calejado em jornais) no seu blog,  a propósito desta manchete do Correio da Manhã:

Nota: José Paulo Fafe só sabia o que leu no CM. Não tinha conhecimento do pormenor Ana Leal.

 

E termino com um pequenino excerto do poema "O Dia da Criação" de Vinicius de Morais que me veio à memória quando li o Correio da Manhã do passado Sábado:

 

"E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado"


E o Domingo veio. Cheio de Sol.